segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Tsar, ou o Inferno explicado às crianças




Царь-бомба — Tsar Bomba,
30.10.1961





   Assinalados 50 anos sobre a sua detonação ao largo da Baía de Mityushikha, Novaya Zemlya, Círculo Polar Ártico, a 30 de Outubro de 1961, hoje, e para memória futura, relembramos.


  Para que qualquer um de nós, comuns mortais, possa ter uma ideia da dimensão do poder destrutivo deste peculiar engenho do Juízo Final, bastar-lhe-á imaginar uma estrutura capaz de albergar cerca de 58 mega-toneladas de TNT, ou seja qualquer coisa com a altura e o diâmetro de base da Torre Eiffel...

      Recordemos ainda que o plano original para este brinquedo soviético era de o conceber com quase o dobro da referida potência explosiva — 100 mega-toneladas —, porém a sua concretização por esses valores revelar-se-ia inviável...

       Com a Tsar, a Guerra Fria atingia o seu auge, e com este o apogeu da capacidade auto-destrutiva da própria espécie humana... Algo de irrelevante, se for tomado em linha de conta que o relatório da comissão de análise do teste balístico de 30.10.1961 daria ogivas desta envergadura e poder destrutivo como impróprias para uso militar — afinal a intenção era só ver se conseguiam...



    ...E que a resposta Norte-Americana — após indignados protestos junto da Assembleia Geral das Nações Unidas, pela voz do seu então Embaixador Adlai Stevenson (VER: 2º vídeo que se segue) — resultaria nas Operações Dominic I e II: 105 bombas de hidrogénio e afins detonadas num espaço de pouco mais de seis meses — Abril a Novembro de 1962 —no Pacífico central e no Nevada Test Site, seguida de mais uma série de 48 ensaios, intitulada Operação Storax (1962-63)...  
    (Este breve compêndio audio-visual aqui trazido há uns meses poucos, permite visualizar melhor a troca de mimos...)






    Ainda acerca da Ivan, destacar que a mesma, ao que consta, teria dez vezes a capacidade destrutiva de todas as bombas usadas na II Guerra Mundial — uma pequena maravilha —, e de lá para cá o Mundo em que vivemos não parece ter merecido melhor atenção de quem possui ou pretende possuir caixas de Pandora como a Tsare ainda que a sua mais próxima sucedânea tenha, ao que consta, sido objecto de desactivação definitiva ainda a semana que passou: ambas as super-potências de há cinquenta anos somam juntas cerca de 10.000 ogivas estratégicas na sua posse (E.U.A.: 5021, Rússia: 4650), ao que cabe contabilizar ainda o somatória das das ditas potências menores (Grã-Bretanha, França, R.P. da China, Índia, Paquistão, República Popular Democrática da Coreia [do Norte], Israel [seguramente], e em breve a somar-lhe as da República Islâmica do Irão...)  





     Tempo ainda de recordar — e a fechar — o delirante humor negro de Stanley Kubrick pela voz desse inolvidável Doutor Merkwürdigliebe (o génio de um século de comédia, Peter Sellers de seu nome, no papel de uma vida a somar a mais dois na mesma película de 1964, inspirada nos eventos acima descritos), e a sua elucidativa explicação de uma certa 'Doomsday Machine' — provavelmente a melhor caricatura alguma vez concebida do mais absurdo e absoluto horror ali mesmo à nossa porta.













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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Ao Fim E Ao Cabo...





「砂の女」  [Suna No Onna] — Woman In The Dunes — 1964
dir.  Teshigahara Hiroshi [勅使河原 宏]



「孤独とは、幻を求めて満されない、渇きのことなのである。」

"...a solidão não era mais que uma sede insatisfeita de ilusão."





Abe Kōbō, "A Mulher das Dunas", 1962












"Avalanche"





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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Segue Sempre Por Bom Caminho





Avª. Meiji — 明治通り — 18:00


Larga o peso dos ombros
e colhe a Luz.


São dias bons, estes,
e há sempre uma nesga de Sol.












(Hesitei entre esta e "Hey, That's No Way To Say Goodbye")




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quarta-feira, 26 de outubro de 2011

黙殺

 Osaka — 大阪 — 23.VII.2011









Há demasiado tempo que só oiço a voz deste silêncio.
Quando o que mais falta fazia,
era um dia de festa 
e pura alegria.


















   (In times of loneliness and despair, Elvis Presley would talk to his stillborn twin brother,
Jesse Garon Presley...)






"Jesse, are you listening?..."









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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A Sós




Shikanoshima — 志賀島 —7.V.2011























("The rivers of Babylon flow, and fall, and carry away...
Jesus is alone on earth, not merely with no one to feel and share His agony,
but with no one even to know of it.
Heaven and He are the only ones to know.

Jesus is in a garden, not of delight, like the first Adam,
who there fell and took with him all mankind,
but of agony,
where He has saved Himself and all mankind.

He suffers this anguish and abandonment in the horror of the night.


Jesus will be in agony until the end of the world.
There must be no resting in the meantime..."*)










*Pascal,  Pensées   (Trad. Inglesa)







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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Vigília




(Escrito de véspera, pela calada da Noite)



福岡市民体育館 — 28.VIII.2011

   Bem o dizia Montgomery, que o mais importante entre soldados é o seu moral — que equivale a dizer o que lhe vai no coração,  isso que lá vai bem no fundo da alma.


    Amanhã, ao cair da noite, há luta, no Kyūden Taiikukan [九電体育館], ginásio/dojo da companhia de electricidade.
   Exige, o clã, a minha presença.


   É facto: não me acho em forma, nem física, nem mental, para pelejar amanhã. Ainda assim, lá estarei. Não tenho escusa.
   





    Há horas assim na vida, em que a força definha e o torpor impera. Dias maus, dias de dúvida.
    Não é escusa.
    
     A guarda aguarda-me, e ainda me pergunto sobre o que os leva lá, depois de um dia de labuta suada, com família à espera e de estômago vazio.



     Mas é isso.
     É uma ética privada.
     Melhor, é essa incorruptível deontologia do combatente, sagrada nesse dever de ir lá, de estar lá
   Sem escusa.
   





   


   Conforta-me a imperturbável serenidade gravada nesses rostos, no olhar tão compassivo quão letal desses homens de alma antiga. 
   Esses que mil vezes caíram em combate e outras mil se reergueram do solo, sem queixume, sem vacilo, em temerário assalto.

   Conforta-me essa ideia — fantasia pueril, quantos dirão — de que isto é sério.
  (「剣道を真剣にします」 — Kendo Wo Shinken Ni Shimasu —, "A Via da Espada exige seriedade" — ladainha repetida até à exaustão, até que a espada quebre.)



   Conforta-me saber que cumpro missão.






Amanhã é até cair.








大太鼓



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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Das causas de morte de uma causa morta (à nascença)

Comício do então recém-legalizado Partido Comunista Japonês (日本共産党 — Nihon Kyōsan'Tō), 
Parque de Hibiya (日比谷公園), Tóquio, nas imediações do Kōkyo, 1946 
— sob vigilância do ocupante.
Autor incógnito. Imagem obtida d'AQUI.


    Ainda estive, confesso, para escrever sobre o assunto, maçando-vos com meia-dúzia de impressões que, seguro estou, a maioria sacudiria para vão de escada, ou, na pior das hipóteses, ainda suscitaria novas e assanhadas indignações desta feita não contra os tradicionais bodes expiatórios de serviço, mas sim contra este mísero e mesquinho... Enfim... não será por isso. É falta de pachorra mesmo, e de qualquer modo, por regra, bem o sabeis, abstenho-me de aqui discursar sobre o que lá vai dess'outro lado do Mundo, do qual já nada de bom espero faz muito tempo, e de cujos vícios aqui faço por me desintoxicar.


   Eu só lhe acrescentava mais uma ou duas observações de quem colhe o benefício da distância de aqui estar, mas a minha regra — supra invocada — foi feita para se cumprir e não será certamente este o assunto que fará a excepção.






"Shut up! Shut up!" 
(LOW VOLUME SUGGESTED)





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Um Lugar Em Paz (V)




旧志免鉱業所竪坑櫓 — 16.X.2011



    Algo reminiscente dessas infelizes, grotescas flaktürme ainda hoje entravadas por Viena, a velha torre mineira de Shime (志免鉱業所竪坑櫓 — Shime Kōgyōshō Tatekō Yagura), de altiva, sobranceira vista sobre a cidade das colinas prósperas, não é propriamente uma atracção das redondezas. A sua imponente figura e bem assim seus sombrios traços e definhada cor conferem-lhe, em qualquer recurso, um estranho e mesmerizante encanto, algo que, temo, possa tão-só apelar a diletantes arqueólogos da modernidade como este vosso NanBan.

     Encontrei-a por acaso há pouco tempo e foi amor à primeira vista, confesso.
   Assiste-lhe uma sui generis fotogenia, e podemos ficar horas a contempla-la e a decifrar-lhe os recônditos detalhes que só um olhar mais demorado permite perscrutar.

    









    Erigida entre 1941-1943, em pleno período de mobilização total dos recursos do país e em prol do esforço de guerra então em curso, a velha torre de betão armado, não foi, de facto, concebida primordialmente para fins militares, mas sim com o peculiar propósito de albergar um ambicioso sistema de perfuração vertical e extracção de carvão a mais de 400 metros de profundidade numa área então tida ainda por bastante afastada do porto de Hakata e ligada ao centro da cidade por uma linha de caminho de ferro hoje totalmente desactivada. Porém, e sendo a mina de Shime então directamente administrada pela Marinha Imperial, e, assim sendo, um alvo de eleição para os raides aéreos americanos sobre a zona, os quais se intensificariam fortemente pelo último ano de guerra, é garantido, assim, que a velha torre tenha desempenhado funções de vigilância e repressão de ataques da aviação inimiga nesse derradeiro fôlego de '45. Mas, esclarecia, o propósito primeiro da sua bizarra atalaia era,  antes, o de albergar um poderoso motor de 1000 cv. de potência do qual dependia todo o processo de extracção do precioso minério a grande profundidade.
     

    






  Com a derrota e subsequente desmantelamento das forças armadas e indústria militar japonesa, a mina de Shime seria encerrada e impedida de laborar por vários anos, retomando a plenitude da sua capacidade produtiva só por volta de 1955. Mas seria sol de pouca dura, posto que os seus recursos revelar-se-iam insuficientes para assegurar a respectiva viabilidade económica e em 1964 a mesma fecharia de vez as suas portas. Dela restam apenas a velha torre e dois túneis de portões escrupulosamente trancados a sete chaves.








































































   A área em redor da velha Yagura [櫓], de altura equivalente a um prédio de quinze andares, é hoje um simpático parque de recreios para miúdos e graúdos, de jovial atmosfera a contrastar fortemente com a ominosa silhueta dessa náufraga carcassa de betão, sobra de um tempo, a cada dia que passa, mais alheio da memória comum.









       Gosto de lugares assim, distintos senhores de uma história sofrida. 
      Lugares assim têm uma alma. Alma essa que vive além da morte dos seus originais propósitos e mais que acicatar a morbidez de outros tantos saudosismos privados, invoca antes a nobreza e a dignidade desse labor humano que o sonhou, ergueu e dele fez uma referência de boa memória.


































1955























    Há quem se deleite a fotografar a Torre Eiffel,  o Big Ben, o Hollywood Sign, castelos medievais ou a Grande Muralha.

    Um lugar assim diz-me infinitamente mais.

    Não é um esqueleto.
    É um farol.












"Un Grand Sommeil Noir"
(1906)



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Um olhar mais atento



福岡空港 — 15.X.2011


    Ah! O Deslumbramento, esse maldito vício!...

   Pelos anos fora, ele há-de haver sempre lugares, rostos, vozes e causas dotados desse condão de reter o melhor dos nossos afectos e vontades, por extensos períodos de tempo e contra a experiência adquirida que teima sempre em recordar-nos que nada é para sempre e que nem tudo o que luz é oiro, mas o bem mais das vezes, e por mais que recusemos aceita-lo, mera jóia de fancaria. 

   Até ao dia em que se opera de per si, e sem aviso prévio, essa inevitável mudança de perspectiva, e então... aquilo, aquilo que idolatrámos em profunda hipnose, se revela, em toda à sua extensão e inelutável verdade. Máscara que cai, cicatriz oculta, míseros bolsos vazios em traje fino. O rei vai nu.

    Por mais que os anos passem, não há como aprendê-lo, e o amestrar do olhar exigente e escrupuloso é tarefa ingrata. Sempre. Até à cova.

     Não há emenda. Só fadiga e decepção.







Eno:  "An Ending (Ascent)"
(1983)








Uma parada de números...


...a passo de ganso AQUI...

     A um oceano de distância, mais números passados em revista — assim até há desculpa para as agências de rating, ou não?...

(Notícia publicada ontem no ASAHI [朝日新聞])


Nada para levar muito a sério...









"War, children, is just a shot away"





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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Something Beautiful This Way Comes


Foto: MAINICHI SHINBUN [毎日新聞]

Aqui mesmo à porta.





"Deep, Deep Down"
(1968)


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ニホンザル / Nihonzaru









      Foi com tristeza de sobra que, pela manhã de ontem, tive a oportunidade de apreciar uma breve reportagem televisiva que dava conta da crescente preocupação e antipatia de que os macacos da pequena cidade de Nikkō [日光市], Prefeitura de Tochigi [栃木県], têm vindo a ser objecto, com as vozes indignadas de alguns comerciantes e habitantes da pequena localidade a Norte de Tokyo-To, conhecida sobretudo pelo seu imponente Tōshō-Gū [東照宮], e seu famoso pórtico dos Três Macacos Místicos ou Três Macacos Sábios [三猿 — Sanzaru, em Japonês simplesmente "Três Macacos"], a subir de tom pedindo uma solução drástica para o problema dos pululantes símios que há séculos partilham o espaço da povoação e respectivos lugares de peregrinação com a população humana local, numa ancestral e sã convivência que parece hoje seriamente ameaçada face a um aparente crescendo de agressividade por parte dos pequenos primatas, algo a que não será estranho o crescimento populacional da região e o seu sucesso enquanto chamariz turístico próximo da capital.

       Destino turístico de eleição para quem se encontre nas proximidades de Tóquio e, virtude de albergar alguns dos mais esplendorosos templos Budistas e santuários Shintoo do Período Edo — com destaque para o deslumbrante Tōshō-Gū —, Nikkō desde tempos imemoriais que acolhe igualmente uma expressiva comunidade local de Nihonzaru [ニホンザル/日本猿], os famosos macacos 'albinos' do Japão [nome científico: Macaca Fuscata], espécie nativa deste país e ainda em grande abundância um pouco por todo o território nacional, com excepção de Hokkaido e Okinawa. 







     Sucede que efeito aparente da pressão exercida pelo imparável afluxo de turistas à pequena localidade e consequente crescimento económico, urbano e demográfico, tem-se vindo a registar um proporcional crescendo de agressividade por parte destes (antes tidos por) simpáticos primatas, que entre ferozes ataques a crianças e adultos e não menos menosprezíveis furtos constantes em pequenas lojas de doçaria regional e afins — onde os omnipresentes omiyage (お土産 — doces ou outros pequenos souvenirs via de regra trazidos por visitantes de uma certa localidade, de regresso a casa, e para deleite de amigos e entes queridos) têm lugar de honra à porta desvelada dos ditos estabelecimentos —, parecem ter declarado guerra aberta ao turismo de Nikkō, principal fonte de dividendos da cidade.

        Nada de novo para quem melhor conheça semelhantes casos de menos amena simbiose entre humanos e macacos em Gibraltar, aí mesmo ao virar da esquina, ou em Cape Town, África do Sul, onde semelhantes casos de agressão sistemática de uma espécie à outra há muito se fazem sentir e deram já lugar a zelosas políticas de controle por parte das respectivas autoridades locais.






      Naturalmente, e em particular no que concerne aos Saru de Nikkō, a última coisa que eu queria aqui escrever seria uma crónica de uma deportação e/ou extermínio anunciados, ademais porque esta é uma espécie autóctone que me inspira o mais genuíno carinho e simpatia, e ainda que a irritação de algumas pessoas possa ter a sua razão de ser, esta é uma espécie que merece a mais benigna das protecções e afecto comum.

     Felizmente, Nikkō não é a única região onde estes bonitos bichos podem ser contemplados no cenário de um salutar convívio com populações humanas estabelecidas — outras partes da ilha maior de Honshū e Kyūshū, ilha do vosso NanBan, e em particular a Prefeitura de Oita, são morada de grandes comunidades nativas de Nihonzaru, e por cá não se fazem, até ao momento, ouvir queixas de maior — pelo menos que seja do meu conhecimento...






       Ainda assim, destaque e honra devidas são ao soberbo Jigokudani-Yaenkoen [地獄谷野猿公苑], inviolável santuário dos Nihonzaru de Nagano [長野県], em Yamanouchi [山内], um absoluto 'must' para aqueles que, pelo frio Inverno que aí vem, hajam de gozar do especial privilégio e felicidade de uma visita ao Japão central.

         Mais sobre este imperdível, ermo lugar do melhor deste  Japão que teima em dar mostras de si, AQUI, AQUI e AQUI.







        Deixo-vos com dois bonitos clips a desbravar caminho entre os mais cerrados corações.












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