sábado, 30 de maio de 2009

AVISO À NAVEGAÇÃO

Cenas dos próximos capítulos: Shofuku-Ji (聖福寺), o mais antigo templo ZEN do Japão.

Caríssimos & Caríssimas NanBans por esse Mundo Fora:
Se nas próximas semanas virem esse sujeito sisudo, na foto, algures pelas vossas bandas, não estranheis: ele está de visita à Pátria por umas semanitas poucas, que a família tem saudades dele e há uns quantos afazeres de permeio.

Ainda por escrever estão um par de capítulos recentes deste meu calcorrear pelos Japões, mas, como sempre, sou franco convosco: ando com uma falta de pachôrra tramada para escrever (isto é crónico) - e o ter que ir aí distribuir passou-bens a todos também não está a ajudar - quem diz a verdade não merece castigo, não é assim? Mas tenho sempre muito gosto em tomar café & dar dois dedinhos de conversa com os amigos, e há muita estorieta por contar de cá que não calha nesta página.

Por isso se virem o tipo sisudo da foto, sentado na esplanada a olhar a Oriente com ar de quem ainda mal chegou já está farto de ali estar, então não hesiteis: vinde sentar-se na mesma mesa que ele adora a vossa companhia.



quarta-feira, 20 de maio de 2009

Silêncio, Scorcese, Shusaku Endo: o Céu e (ou) o Inferno para 2010...


Os três actores já dados como certos no aguardado drama histórico de Martin Scorcese,"Silence", com estreia prevista para 2010: Benicio Del Toro, Daniel Day-Lewis e Gael Carcia Bernal.












Já é dado como certo: 
Martin Scorcese avança mesmo este ano com a produção da sua tão aguardada quanto hesitada quanto adiada versão  de "Silence"  (Chinmoku - 沈黙 - no original), ou "Silêncio" para os mais empedernidos vigilantes da lusofonia. 

Obra-prima de Shusaku Endo, publicada em 1966, "Silêncioterá para mim, certamente um apêlo muito particular; para vós e para um certo público afectivamente atado quer a Portugal quer ao Japão, esta será, porventura, a (tal) obra de eleição - e isto, é ponto assente, quer se partilhe ou não dos sentimentos e preocupações de natureza religiosa que avultam pela obra adentro.

Ora aqui fica um ligeiro aperitivo a aguçar-vos o apetite:

O que terá levado um homem de inabalável fé e inestimável serviço à mesma, a, de um dia para o outro, renunciar-lhe?

Ano de 1614 - após quase seis décadas de acção missionária encabeçada pela missão Jesuíta em Nagasaki, a Cristandade no Japão sofre o pior dos revéses possíveis: o Shogunato dos Tokugawa, recentemente empossado de autoridade absoluta no país, e desta feita empenhado em banir toda e qualquer influência nefasta dos  'bárbaros do Sul'  no Japão, decreta a proibição total do Cristianismo e enceta uma brutal e implacável purga dos fiéis de Cristo, expulsando clérigos - na sua maioria Portugueses e Espanhóis - e seus auxiliares e submtendo crentes e outros suspeitos de o serem a inenarráveis torturas destinadas a levarem todo e qualquer convertido à apostasia

Face à encarniçada bestialidade dos algozes do Shogun, a maioria dos supliciados cedo se verga aos ditames da nova lei...

Mas há ainda os que, no epicentro de tamanha voragem, impassíveis face à razia, insistem em viver na Fé e dela fazer sua causa e bandeira - entre estes um certo prelado dos Jesuítas Portugueses, Cristóvão Ferreira de seu nome, que secretamente permanece por longos anos mais em plena Kyushu, baluarte do Catolicismo Romano em terras do Sol Nascente, recusando peremptoriamente abandonar o seu rebanho e reconhecendo ser esta a mais aflitiva das horas.


Chegádos a 1632, eis quando as notícias trazidas a Roma anunciam o inimaginável para espanto geral e até dos mais cínicos: capturado e submetido à tortura, Ferreira apostatou... sem sequer hesitar!...

De entre os mais incrédulos, dois dos seus discípulos de outrora, Sebastião Rodrigues e Francisco Garpe, decidem empreender a viagem de todos os riscos, a fim de desvendarem a verdade sobre a apostasia de Ferreira...

Este é, sem sombra de dúvida, para mim, território perdilecto para o mesmo Scorcese de"Mean Streets" (1973), "Taxi Driver" (1976) e d'"A Última Tentação De Cristo" (1988). 
 
Para além do realizador em comum, que têm estes filmes de tão próximo entre si e com o romance de Endo? perguntar-me-ão. 

Resposta: os mesmíssimos temas sempre estiveram lá - a Homem enquanto recptáculo de sofrimento, exposto à dúvida, à falha moral, à traição,  à queda em desgraça, e, ainda assim, sempre movido por uma misteriosa necessidade de redenção.

Pela alta referência que sempre tive em Scorcese, mas também pelas muitas decepções a que me habituei da parte dele nos últimos quinze ou vinte anos, tanto podemos esperar - de"Silence" - uma obra digna de standing ovation como o mais perfeito logro.

O projecto para "Silence" ao que se sabe é antigo - consta que Scorcese vem sonhando em fazer este filme vai para mais de dez anos -  e   por efeito de contratempos vários, outros projectos e solicitações, terá ficado na gaveta este tempo todo à espera da altura certa.
Um elenco de primeira água também parece já ter: Daniel Day-Lewis e Benicio Del Toro estão já dados por garantidos e Gael Garcia Bernal também consta da casta dos eleitos para os papéis 'ocidentais'. Resta saber a quem ficarão destinados os papéis 'nipónicos'.

De Scorcese espera-se sempre muito - dele espero eu sempre muito.
Para este "Silêncio" a bitola está já muito alta.



sexta-feira, 15 de maio de 2009

Men! Kote! Dô! - Parte II - O Filme.

Ora aí estão as imagens para os aficcionados do género!  Tinha prometido que as partilhava convosco... pois aqui as tendes!
Ultrapassado o impasse técnico que me havia impedido de as divulgar mais cedo, é, pois, altura de o fazer, sem mais delongas...

Bem... é verdade que há a gritaria de fundo - que faz parte destas coisas, claro está! -, a imagem está um pouco tremida, perscruta-se algum nervosismo, um certo frissom, entre os presentes, e acima de tudo, o préstimo deste vosso 31 não foi propriamente um brilharete... Abona a meu favor o ser relativamente novato nestas artes - afinal era só exame de Ikkiyuu (一級:いっきゅうsó para o Verão do ano que vem é que me terão a fazer o shiken do 1º Dan
Como também não estava ali em representação da Pátria ou coisa-que-o-valha, pouco importa o meu mais-que-perfeito amadorismo, o qual - assim me parece -  transparece por demais de uma ponta à outra do clip

Espero que os que, de entre vós, já se interessavam pela modalidade mas que por seja que motivo fôr ainda não haviam inquirido por aí além sobre a mesma, aqui encontrem a necessária e suficiente inspiração para vasculhar mais, e mais ainda se entusiasmarem.
Para os que que já andam nestas andanças do Kendo há bem mais tempo do que eu, please feel free to criticize: A gerência agradece.
Para os que não sabem, nem sabiam, nem tão-pouco pretendiam saber seja o que fôr sobre a Via da Espada, espero que este meu modesto contributo accione um estranho mecanismo nas respectivas vidas...

Hajime!...




sexta-feira, 8 de maio de 2009

軍艦島 - "Gunkanjima" - A "Ilha-Couraçado": agora já a podemos visitar...

Ele há aficcionados das paisagens civilizacionais obliteradas e decrépitas: eu sou um deles - os que reconhecem nestes lugares uma certa poesia dos escombros - e a esses como eu, por esse mundo fora, dedico este artigo...


Não vos sei explicar este sentimento - limito-me a reencontrar, agora e sempre, uma emoção antiga, inefável, uma suave e terna tristeza feita assombro, como a de quem algures num outro tempo esteve, foi parte daquilo, e para quem aquilo, que o abandono e o esquecimento degradaram, teve um dia um significado vital.


Hashima, (端島), esse lugar desterrado, mais conhecido pela gente daqui como "Gunkanjima" (軍艦島) - a "Ilha-Couraçado" - era, antes de o ser, um mero trecho de terra, ausente do mundo das coisas que importam.
A corrida ao carvão, aquando do período da industrialização do Japão pelo andar da Restauração Meiji, segunda metade do Século XIX, tornou este lugarejo esquecido no mar de Nagasaki, num cobiçado tesouro. 
Não tardou muito para que o progresso imparável dessa potência então em plena ascensão que era o Dai Nippon do virar do século, trata-se do assunto de séria e impiedosamente converter o que era aquela parca parcela de areia e ervas e umas quantas rochas, no complexo enmaranhado-cinzento de monólitos modernos que a Era Das Máquinas, a força desbravante da sobre-indústria nos legou. 
Feita mina de carvão, com a sua gente operária a laborar e a viver lá, Hashima, de seu pouco mais de 1 kilómetro de extensão, chegou, a ser, no seu auge, o lugar do mundo com a maior densidade populacional de sempre  - fala-se de 1,391 pessoas por hectar (139.100 pessoas/km2).

Decaída na sua importância, a produção de carvão cedeu lugar à ascensão do petróleo enquanto rei dos preciosos combustíveis fósseis.

Foi a morte da "Ilha-Couraçado". 
Assim chamada pela gente, pela semelhança que a visão dela sugeria, uma vez vislumbrada no horizonte, com um certo vaso de guerra da época, o Tosa.

Alguma Alma lá ficou - dizem os que sabem - desde que a última embarcação de operários e suas famílias deixou o ilhéu de betão-armado, já  lá vão trinta e cinco anos...

E talvez por essa Alma Operária que o betão guarda em santuário e que está lá, vive lá, há quem a nomeie ainda, com maior temor reverencial que desdém (assim quero eu crer), de Ilha Fantasma...


Não foram muitos os tantos que quiseram saber mais dela nas três décadas e meia que medearam desde o último frete a deixá-la até à Primavera de hoje: as estruturas foram quebrando, as vigas cedendo mais ao peso do oblívio que ao do desleixo, as habitações, outrora insufladas de vida humana, laboriosa, vibrante, tomadas de assalto pelo silêncio de uma memória ausente e pela erva daninha própria dos lugares sem tarefa.

Não mais foi possível ir lá, entrevistar o silêncio, tirar o retrato à ruína.

Mas soube-o hoje: lembraram-se dela, e podemos agora revisitá-la
Há mesmo quem queira fazer, da "Ilha Couraçado", património de todos nós.

Ela certamente o merece...

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Um Outro Japão...

"Golden Week" no Japão é assim mesmo: dolce fare niente, ou então passear por aí, ver o muito, mesmo muito, que está lá, ainda e sempre por descobrir, num país tanto maior e tão mais deslumbrante quanto melhor o vamos conhecendo.

Desta vez, a escolha foi Karatsu, em Saga, prefeitura a sudoeste da nossa Fukuoka, situada entre esta e a região de Nagasaki. 
Não foi a primeira vez que me deixei ir, Japão telúrico adentro, mas esta é, sem dúvida uma gravura a guardar...

Karatsu é uma cidade de facto e por direito próprio, mas já situada num Japão mais ausente, mais alheio o cosmopolitismo futurista a que nos acostumámos, estejamos em Tokyo-To, em Osaka ou mesmo em Fukuoka.

Este é MESMO outro Japão.
Um Japão de bosques e aldeias pitorescas, de arrozais e casas de portas de correr de cobertura de papel-de-arroz e soalhos forrados de tatamis.

A impressão fica no horizonte num apanhado destes: 

Karatsu faz-se dominar pelo seu castelo altaneiro, cenário perfeito para épicos de Samurais aguerridos e duelos impossíveis: esta é a Kyushu de Miyamoto MusashiSasaki Kojiro e Sakamoto Ryoma...

Do topo do Monte Kagami, é-nos oferecida esta visão estonteante, sobre o Estreito da Coreia:


É de facto um lugar de levar o último fôlego de um homem...
Karatsu é território a revisitar, sempre.
São aquelas ilhotas ao longe quem nos chama. Quero estar em cada margem, em cada praia, em cada breve estreito de mar entre redutos de terra...

Este é o Japão que eu amo...

terça-feira, 5 de maio de 2009

道祖神 - "Dosojin" Ou O Mistério Dos Dois Monólitos Sugestivos...





 



Eu juro: levou algum tempo... até que se fizesse luz no meu espírito...

A Etsu dizia-me: "...será que não vês?... o que elas são?..."


...E eu olhava... e olhava... e passaram aí uns três minutinhos e eu já estava a sentir-me muuuuuuiiiiiito estúpido, muito, muito estúpido, muito ESTÚPIDO mesmo! é verdade...

...E depois a Etsu lá me disse: "É um Dosojin ... e representa um casal feliz..."

Dosojin - escreve-se assim 道祖神 e por favor!: que não vos passe pela cabeça tatuarem esta sacro-santa palavrinha num dos vossos braços (eu sei que os kanjis têm os seus encantos, eu sei...), não vá calhar passar um grupo de Japoneses por vós, aí na vossa praia de eleição, no Verão, e desatarem-se todos a rir à gargalhada e a rebolar que nem uns possessos na areia!... ainda acaba tudo de cana!...

Apreciai as fotos e depois dizei-me de vossa justiça... Escusado será dizer que não tem qualquer relação com o Stanley Kubrick - acho eu... -, se bem que não me surpreenderia nada vir a saber que este Kami lhe serviu de inspiração aquando do processo de idealização do "2001"...
Afinal, tem uma certa relação, ou não?...

Próximo capítulo: o resto da história d'hoje...