terça-feira, 31 de julho de 2012

Sayonara / Pompa Fúnebre



Tomando de ensejo o assinalar do centenário da morte de Sua Majestade o Ten'Ō Meiji (明治天皇 3.11.1852 – 30.7.1912), este TLNBJ segue hoje a enterrar, desta feita de vez, e sem direito a mais exumações.

Tempo houve em que valeu a pena andar por aqui, pela escrita em formato blogue, dava gozo e a escrita revestia-se de uma pertinência que nem sempre se queria demasiado pertinente

Uma janela para o Mundo, como alguém dele disse, com vista sobre um seu onírico e quasi-obscuro canto, ilha remota, Kyūshū essa, tão prenha de histórias ainda e sempre por contar...

Há muito que já não sou daqui. 
Deste formato, digo.
Lamento dizê-lo, mas salvo uma mão-cheia de mui nobres e honrosas excepções, aquilo a que uns convencionaram chamar blogosfera portuguesa, seja lá o que isso for, há muito que descambou num deplorável muro de lamentações, mais um, natural extensão online de um certo ruminar permanente e vicioso de pessimismos de mesa de café, e onde as lamúrias de sempre se entre-atropelam, e, sinceramente, nunca dei, quiz dar ou darei um chavo que seja para esse peditório.

Acresce que, de regresso a Portugal, e ainda que haja de voltar tão breve quanto possível ao país que tão bem me acolheu estes últimos quatro anos, hoje mais que nunca, e mesmo com tanto mal a afligir os que mais remédio não têm senão por cá ficar lutando pelas suas vidas, com tanto, dizia eu, que haja de maldizer, hoje, mais que nunca, sei o quão bom é ter Portugal por Pátria, por minha terra, nossa terra, lugar a amar mais que qualquer outro, e a trazer no peito, hoje e sempre, como se traz todo quanto nos é querido de verdade.

Escolho esta data para fechar este espaço, também pelo carácter simbólico, invocativo, que a data encerra e no que ao Japão e à História do nosso tempo se refere: o Japão que Mutsuhito, o jovem Imperador que envergaria o nome póstumo de Meiji (明治, literalmente o 'Governo da Luz'), herdou de seus antepassados mais não era que um pobre e atrasado arquipélago no encosto mais extremo do Extremo Oriente, longa cordilheira de penhascos flutuantes à porta da Ásia, que outros, na sua curteza de vistas, só poderiam conceber como entreposto conveniente para naves forasteiras que cruzassem o vasto oceano em busca de paragens mais prósperas logo ali ao passar doutros estreitos.

O Japão que Meiji deixou a 30 de Julho de 1912, escassos quarenta e poucos anos após a sua ascensão ao Trono do Crisântemo, era uma potência entre as primeiras de entre as grandes nações da Terra.

O Japão de Meiji, sem nunca abdicar da sua mais cara essência identitária, e em nome da mais urgente das tarefas — o da sobrevivência da sua soberania nacional — obrigou-se a uma transformação cultural, social, económica e política sem precedentes na história da Humanidade, uma metamorfose tão profunda quão dramática e não poucas vezes dada a um preço demasiado alto a pagar. Mas fê-lo para que o Japão de hoje seja a referência cimeira que ainda é, para tantos de nós, enquanto paradigma de uma sociedade solidamente desenvolvida, estável, segura, justa e digna do nosso mais reverencial louvor — ainda e sempre entre as mais dignas de nota das nações do nosso Mundo.

Face às mazelas do destino, o Japão nunca se perdeu em lamentos estéreis à boca escancarada. A este respeito recordamos, uma vez mais, a tragédia de Kanto de 1923, os dias dos tenebrosos daikūshū de '45, Kobe e Tōhoku que vimos com os nossos olhos, cair e reerguer, inabaláveis, do ardor das cinzas.

A cada crise, o Japão respondeu sempre com um redobrar das suas forças, o mais das vezes indo-las buscar onde não sobrava a mais mísera réstia de esperança. 
E levantar-se, sempre! Sim! sem pedir contas a outrem que não a si mesmo e à sua castigada gente. 

Observar, aprender, fixar, é isso, a nós outros, que nos resta...


E quanto ao mais, é tempo de partir e deixar de vez estas paragens.

A todos quantos se interessaram, inspiraram, daqui colheram inspiração e a tantos quantos fizeram questão de ler este quase-diário de bordo, pouco regular mas feito, o mais das vezes, com muita boa vontade e alegria, enquanto foi tempo de navegar, um sentido agradecimento do mais fundo do meu coração — a todos vós um emocionado 'Arigato gozaimasu' — não citarei nomes: vós sabeis quem sois.


Em despedida, fica o trecho lírico dessa Ise Monogatari (伊勢物語 — "A Saga de Ise", Século IX), que nesta hora, assim parece, mais se adequa.


風ふけば                                          Ao soprar do vento,
おきるしらなみ                              Invocando as ondas,
たつた山                                          P'lo Monte Tatsuta,
夜はにやきみが                              P'la calada da Noite,
ひとりこゆらむ                              Parte só, 
                                                             Outono adentro






Obrigado a todos,


さよなら / Sayonara / Adeus



Luís Filipe Afonso, 
31.VII.2012





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