旧志免鉱業所竪坑櫓 — 16.X.2011 |
Algo reminiscente dessas infelizes, grotescas flaktürme ainda hoje entravadas por Viena, a velha torre mineira de Shime (志免鉱業所竪坑櫓 — Shime Kōgyōshō Tatekō Yagura), de altiva, sobranceira vista sobre a cidade das colinas prósperas, não é propriamente uma atracção das redondezas. A sua imponente figura e bem assim seus sombrios traços e definhada cor conferem-lhe, em qualquer recurso, um estranho e mesmerizante encanto, algo que, temo, possa tão-só apelar a diletantes arqueólogos da modernidade como este vosso NanBan.
Encontrei-a por acaso há pouco tempo e foi amor à primeira vista, confesso.
Assiste-lhe uma sui generis fotogenia, e podemos ficar horas a contempla-la e a decifrar-lhe os recônditos detalhes que só um olhar mais demorado permite perscrutar.
Erigida entre 1941-1943, em pleno período de mobilização total dos recursos do país e em prol do esforço de guerra então em curso, a velha torre de betão armado, não foi, de facto, concebida primordialmente para fins militares, mas sim com o peculiar propósito de albergar um ambicioso sistema de perfuração vertical e extracção de carvão a mais de 400 metros de profundidade numa área então tida ainda por bastante afastada do porto de Hakata e ligada ao centro da cidade por uma linha de caminho de ferro hoje totalmente desactivada. Porém, e sendo a mina de Shime então directamente administrada pela Marinha Imperial, e, assim sendo, um alvo de eleição para os raides aéreos americanos sobre a zona, os quais se intensificariam fortemente pelo último ano de guerra, é garantido, assim, que a velha torre tenha desempenhado funções de vigilância e repressão de ataques da aviação inimiga nesse derradeiro fôlego de '45. Mas, esclarecia, o propósito primeiro da sua bizarra atalaia era, antes, o de albergar um poderoso motor de 1000 cv. de potência do qual dependia todo o processo de extracção do precioso minério a grande profundidade.
Com a derrota e subsequente desmantelamento das forças armadas e indústria militar japonesa, a mina de Shime seria encerrada e impedida de laborar por vários anos, retomando a plenitude da sua capacidade produtiva só por volta de 1955. Mas seria sol de pouca dura, posto que os seus recursos revelar-se-iam insuficientes para assegurar a respectiva viabilidade económica e em 1964 a mesma fecharia de vez as suas portas. Dela restam apenas a velha torre e dois túneis de portões escrupulosamente trancados a sete chaves.
A área em redor da velha Yagura [櫓], de altura equivalente a um prédio de quinze andares, é hoje um simpático parque de recreios para miúdos e graúdos, de jovial atmosfera a contrastar fortemente com a ominosa silhueta dessa náufraga carcassa de betão, sobra de um tempo, a cada dia que passa, mais alheio da memória comum.
Gosto de lugares assim, distintos senhores de uma história sofrida.
Lugares assim têm uma alma. Alma essa que vive além da morte dos seus originais propósitos e mais que acicatar a morbidez de outros tantos saudosismos privados, invoca antes a nobreza e a dignidade desse labor humano que o sonhou, ergueu e dele fez uma referência de boa memória.
1955 |
Há quem se deleite a fotografar a Torre Eiffel, o Big Ben, o Hollywood Sign, castelos medievais ou a Grande Muralha.
Um lugar assim diz-me infinitamente mais.
Não é um esqueleto.
É um farol.
"Un Grand Sommeil Noir"
(1906)
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