sexta-feira, 29 de abril de 2011

Shōwa



Retrato do Príncipe enquanto jovem estratega
— Dunkerque, França, Junho de 1921—:

Hirohito, então com 20 anos de idade, ao centro, jovialmente sentado num howitzer de costa, rodeado por dignatários da comitiva de 34  diplomatas, oficiais superiores das Forças Armadas Imperiais e conselheiros da Corte que o acompanhavam, então, no seu périplo de 6 meses pela Europa do Pós-Grande Guerra, ao estilo de um Pedro, O Grande. Menos de cinco meses após estes dias felizes, e face à incapacidade do pai, o Ten'Ō Taishō [大正天皇 — o Imperador Yoshihito], Hirohito assumiria a regência do Império.
  



           29 de Abril, Dia de Shōwa [昭和の日Shōwa-No-Hi], feriado nacional, e sendo dia reservado a uma reflexão sobre a totalidade da experiência de uma Era de importância cimeira  na História deste país (1926 — 1989), a experiência colectiva de uma nação, feita da vivência de sucessivas gerações numa continuidade ininterrupta de sucessos e fracassos e novos voos, e não tanto sobre o legado pessoal do Soberano que lhe deu o nome, ainda assim, o tema de hoje não poderia ser outro: Shōwa, o próprio.


    
   Ascético, insondável, inacessível, uma imagem que sempre cuidou — e outros mais por ele cuidaram — de passar aos seus contemporâneos e gerações póstumas, Hirohito, o Imperador, permanece, em larga medida, um enigma que, tão cedo — impressão nossa — não será deslindado de modo cabal e definitivo. Muito já foi escrito sobre o próprio. Porém, e efeito da imensa reserva oficial e cultural que sobre a figura do mesmo ainda hoje paira no Japão guardião da sua memória, e numa nota mais pragmática, o grosso do espólio documental e testemunhal que permitiria uma análise mais aprofundada do papel histórico do "Soberano da Paz Iluminada" por si realmente desempenhado nos anos mais críticos do seu reinado, certamente conservar-se-á por muitas mais décadas fechado a sete chaves...





  Ainda assim a minha sugestão de hoje, merecerá algumas apreciações de fundo que faço questão de partilhar, aqui e  hoje, convosco, quanto mais não seja porque é um dos bons livros que me veio a calhar à mesa de cabeceira no espaço do último mês e meio. 
  E confessando-vos de antemão que tomei em mãos a obra biográfica que hoje vos proponho, não propriamente a contra-gosto — não senhor! o tema interessa(-me) sem sombra de dúvida...—, mas logo ao folhear das primeiras páginas do prólogo/introdução, de sobrolho franzido e pé-atrás, não obstante — e achando-me ainda a alguma distância da última página da obra — "Hirohito and The Making of Modern Japan" de Herbert P. Bix, tem sido, surpreendentemente, uma agradável descoberta como leitura.   




   É que, concretamente, aquilo que logo leva o potencial leitor incauto a desconfiar — ou a logo abraçar — este tomo (consoante as inclinações a priori de cada um), é precisamente o facto de o próprio autor e editores da obra fazerem questão de  a apresentar, assim, logo à cabeça, como uma espécie de veemente libelo acusatório, de dedo delator em riste, apontado à cara do visado e sua entourage, e ao invés de uma mera biografia ou incursão sobre a vida e espírito de um homem e do seu tempo, o espesso volume de mais 800 páginas impressas,  parece querer chegar ao grande público leitor como uma espécie de ultimatum, denúncia empolgada de um mal oculto nas sombras de um passado infame, que urge sublimar e trazer à luz do dia. Sensacionalismo sensaborão? Opção editorial à assobiar aos dividendos do escândalo? Boas-intenções (de que o Inferno está cheio)? Um todo-nada de todas numa só jogada publicitária? Quiçá.  Não mais que um equívoco de contra-capa?... Também há dessas partidas.


Shōwa entre os seu leais súbditos
— Hiroshima, 1947 —
Ao fundo a "Cúpula de Hiroshima",
símbolo da hecatombe sofrida dois anos antes.

    Lancei-me na leitura de "Hirohito and The Making of Modern Japan" numa altura em carecia de uma leitura rápida, fluida, fugaz, de qualquer coisa que me ocupasse as noites sem grande preocupação de datas ou tarefas, e que simultaneamente me galvanizasse o espírito em torno de um tema de algum interesse à margem de tudo o resto, em suma, de puro entretenimento dirigido a um canto do meu intelecto. 
    Como tenho por hábito, procurei à partida, informar-me, antes de mais, acerca do autor da obra: Herbert P. Bix, académico de Harvard com um percurso lectivo demorado pelo Japão de sua predilecção, não me pareceu rosto suspeito de antemão.  Para todos os efeitos, a informação curricular disposta ao grande público apresenta-o como um intelectual sério, tendencialmente filiável num certo mainstream universitário Norte-Americano de matriz libertário-progressista (não lhe chamemos 'Left', there's no such thing for real in America, since McCarthy's witch-hunts... quem o disse? mas é mesmo assim...), e o nome Chomsky, ainda que saltando aos olhos entre as linhas dos acknowledgments de abertura não nos deverá induzir em erro... Em qualquer recurso, a intencionalidade do longo escrito em causa, não deixa grande margem para dúvidas acerca da sua natureza, e logo ao folhear das primeiras páginas — a título de exemplo, três passagens da secção introdutória: 

   "One of the most fascinating and complex political figures in twentieth-century Japanese history, Hirohito [Shōwa] began his reign in late 1926, on the eve of renewed conflict in Japan's relations with China. It continued for sixty-two years of war, defeat, American occupation and Cold War prosperity. During the first twenty years he was at the center of his nation's political, military, and spiritual life in the broadest and deepest sense, exerting authority in ways that proved disastrous for his people and those of the countries they invaded. Though the time span o his great Asian empire was brief, its potential was enormous. He had presided over its expansion and had led his nation in a war that cost (according to the official estimates published by governments after 1945) nearly 20 million Asian lives, more than 3.1 million Japanese lives, and more than sixty thousand Western Allied lives." (pag. 4)

    "(...) Acting energetically behind the scenes, Hirohito influenced the conduct of his first three prime ministers, hastened the collapse of political party cabinets, and sanctioned opposition to strengthening the peace machinery of the League of Nations. When resistance to his interventions provoked open defiance from the army, he and his advisers drew back and connived at military aggression.  From the very outset Hirohito was a dynamic emperor, but paradoxically also one who projected the defensive image of a passive monarch. (...)"  (pag. 11-12)

    "The history of the Shōwa monarchy and its justifying ideologies up to 1945 is inextricably bound up with the history of Japanese militarism and fascism; after that date it is connected to efforts by ruling elites to roll back occupation reforms, check Japanese pacifism, and regain the attributes of a great power-state (...) For more than twenty years Hirohito exercised, within a complex system of mutual constraints , real power and authority independent of governments and the bureaucracy. Well informed of the war and diplomatic situations, knowledgeable about political and military affairs, he participated in the making of the national policy and issued the orders of the imperial headquarters to field commanders  and admirals. He played an active role in shaping Japanese war strategy and guiding the overall conduct of military operations in China. In 1941 an alliance between Hirohito and his palace advisers on the one hand, and hard-line army-navy proponents of war against the United States and Britain on the other, made the Asia-Pacific War possible." (pags. 13-15)

  E o tom da introdução prossegue neste registo.


皇室 — Kōshitsu:
A Família Imperial,
Suas Majestades, o Ten'Ō 
Shōwa e a Imperatriz Kōjun e os filhos:
da esquerda, o Princípe Akihito (actual Imperador), o Imperador,
a Princesa Kazuko,a Princesa Atsuko, o Príncipe Masahito,
bébé no colo da Imperatriz, e a Princesa Shigeko.
(circa 1935)



   Posto isto, a nota verdadeiramente surpreendente desta obra reside no facto de que, texto adentro, Bix, no ensejo de fazer justiça ao biografado, acaba por se revelar estranhamente benigno e não raras vezes mesmo deveras elogioso para com o Monarca, retratando-o como um homem de grande sensibilidade e inteligência — contrariando a imagem do Imperador débil, quase-autístico e sobejamente alheado dos processos decisórios que ondularam, pelo seu reinado adentro, entre o trágico e o sublime, e que tantas outras obras displicentemente propagam —, perfeitamente consciente de si próprio, cientíssimo do peso da instituição e co-respectivas responsabilidades que em ombros carregou uma vida inteira, da dimensão do Mundo e teias que o envolviam e envolvem, um homem deificado e ainda assim nunca imune à mais natural consciência da sua própria humanidade. 

   Os capítulos dedicados à juventude, educação e formação de Shōwa (pags. 21 a 123), por exemplo, revelam um nível de pesquisa e documentação absolutamente irrepreensíveis, projectando, para mais, o leitor, e sem nunca perder o fio à meada, na intrincada complexidade de cliques político-partidárias e burocráticas herdada do sistema constitucional de Meiji, seu avô e da oligarquia restauracionista de 1870, a extensão das tensões geradas com o quase-vazio da instituição imperial durante o reinado de seu pai, a chamada 'democracia de Taishō', e ainda que o texto se revele lacónico em questões de detalhe — a título de exemplo: no que respeita aos seus cinco correligionários no Tōgū-Ogakumonjo (a instituição de ensino especialmente criada para a descendência de Meiji e para Hirohito em particular) os seus nomes nunca são revelados, sem que o autor  justifique a lacuna de modo peremptório, eximindo-se de o fazer sem, porém, descurar um único detalhe no que respeita ao protocolo e normas de conduta imperativas nas circunstâncias e à época —, no essencial constatamos estar perante uma investigação hermenêutica absolutamente notável, senão mesmo primorosa.

Em visita às minas de carvão de Mikkawako (三川坑), 
Mitsuimikenko (三井三池炭鉱),Fukuoka, Kyūsū, 1949.

   Um outro aspecto, onde Bix se revela particularmente meticuloso, prende-se com a defesa da idoneidade do Imperador enquanto cientista de reconhecidos méritos nos domínios da Ictiologia e Biologia Marinha (interesses legados ao seu sucessor, o Ten'Ō Akihito): onde outros questionaram em tom quase grosseiro o genuíno saber científico do Imperador enquanto entusiástico investigador nestes domínios das ciências naturais, Bix é peremptório na sua defesa — Hirohito era um cientista dedicado e, de pleno direito, reconhecível como tal — citando, para o efeito, documentação esmiuçada a título de prova desta afirmação.

  Contudo o segmento da vida e desempenho de Shōwa enquanto Soberano, que  (muito naturalmente) acaba por consumir a fatia de leão em  "Hirohito and The Making of Modern Japan" , é a secção dedicada à Grande Guerra da Ásia-Pacífico (1931/37 — 1945) que constitui, porventura, o maior melindre na  biografia em causa: neste campo Bix, nunca rebatendo os momentos em que a consciência do Imperador terá colidido de frente com o ímpeto belicista dos seus generais e almirantes, parece, ainda assim, querer à viva força retratar o Imperador como um vulgar criminoso de guerra desculpado por necessitas caret lege, subrepticiamente invocada  pelos vencedores-ocupantes de '45, e o esforço no sentido da prova desta alegação vai de tal modo longe, que Bix arrisca, neste domínio, perder-se por completo no rigor que diz reclamar (e reclama noutras partes) e meter os pés pelas mãos.





  Como acima esclarecia, ainda não concluí a leitura do tomo em apreço.
  Em qualquer caso, "Hirohito and The Making of Modern Japan", tem sido uma excelente leitura por estes dias ao cair da noite e à falta de outro entretém. 
  E do que a obra de Herbert P. Bix nos revela, um velho adágio Zen, que hoje me ocorreu, aqui sai vencido:

 明鏡無心(めいきょうむしん)"O Espelho copia a verdade"...

  Nem sempre assim é.





  Boa noite.






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Os Decanos




Mochida Moriji Sensei 
(持田盛二先生)
1885 — 1974
O Último Jū-Dan (十段 — 10º Dan)




   Antecipando as celebrações do Dia de Shōwa (昭和の日 — Shōwa-No-Hi), 29 de Abril, data de nascimento do Ten'Ō Shōwa (昭和天皇 — Shōwa Ten'Ō, nome póstumo de Sua Majestade, o Imperador Hirohito [1901 — 1989]), e porque a data em causa, mais que o outrora Soberano de Yamato, invoca (o exemplo d)os Homens (assim, com 'H' grande) que fizeram a era (1926-1989) que lhe toma o nome, tomamos esta chance para prestar homenagem aos últimos dois 'Marechais' da nossa modalidadeMochida Moriji Sensei, acima retratado, e Saimura Gorō Sensei (斎村 五郎, 1887 — 1969), ambos Jū-Dan (10º Dan), únicos no seu tempo, e recordando/esclarecendo que os títulos de Jū-Dan e K(y)u-Dan (十段, 九段 — 10º e 9º Dan, respectivamente) foram formalmente extintos pela Federação Nacional do Japão (全日本剣道連盟Zen Nippon Kendō Renmei) em 1995, e — números de  2003 —, até recentemente restavam somente 4 titulares do 9º Grau em actividade no Japão e no Mundo

    Homens assim, dotados desse mítico 'kizeme' (気攻), o mais 'absoluto domínio da espada pelo espírito', já não há mais... 

       Honra lhes seja prestada — Já não são Homens: são Lendas...



      Resta-nos apenas revisitar os documentos históricos:
     Mochida Sensei e Saimura Sensei, em combate, na presença de Sua Majestade, o Ten'Ō Shōwa, em Kyoto, na Primavera de 1940, última ocasião em que o Soberano pôde apreciar a graça viva desses dois filhos dilectos do seu Império...










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sexta-feira, 22 de abril de 2011

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Outras Primaveras, Outras Flores


Foto: MAINICHI SHINBUN [毎日新聞]


       Agora que já lá vai o tempo delas aqui, a Sul, e os ramos das cerejeiras reverdecem, tempo de as admirar mais a Norte, lá, na Terra-Mártir de Tōhoku, onde tantas as feridas que tardam em sarar colhem a trégua fugaz das breves flores brancas que aí vêm de mansinho, bálsamo de côr e luz num tempo de maus ventos. Eternos símbolos de um novo fôlego, de uma nova força, de uma vida nova, plena, fecunda e em paz.

      Na foto, o Senhor Yamaguchi e o pequenino Naohiro, seu filho de dois meses, ambos resgatados dos destroços da vila de Natori, Prefeitura de Miyagi, aquando da tragédia de 11 de Março, tomam uma pausa entre a tormenta das réplicas diárias do grande 'Saigai' [災害desastre, calamidade] do Nordeste para celebrar a Nova Primavera. A Nova Primavera de todos nós.






("With Grace We Will Suffer, With Grace We Shall Recover...") 


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domingo, 17 de abril de 2011

A Pátria é o lugar onde o Coração sempre esteve.



日々旅にして旅を栖とす。

"Cada dia é uma viagem,
E uma viagem, sempre, de regresso a casa."

Matsuo Bashō  (松尾芭蕉, circa 1690)




Donald Keene na companhia de grandes amigos: Mishima Yukio e o actor Akutagawa Hiroshi,
Tokyo-To, 1962


          Prima entre as notícias que fazem as manchetes dos serviços noticiosos por cá, este fim-de-semana: Donald Keene, emérito Professor de Literatura Japonesa, tradutor de renome e dedicado Nipologo, de 88 anos de idade (n. 6.6.1922 em New York, E.U.A.), autor de uma das mais vastas e extraordinárias obras no domínio do estudo e divulgação internacional das Letras e Cultura de Yamato, irá, em breve, fixar residência permanente no Japão e adoptar, ainda este ano, a cidadania Nipónica, mediante processo de naturalização já formalizado.


   O rumor de que Keene considerava, desde há algum tempo, adoptar a cidadania/nacionalidade Japonesa, em detrimento da cidadania Norte-Americana — uma vez que a Lei Nipónica não admite a possibilidade de acumulação de dupla nacionalidade —, circulava já, desde Janeiro, em certos círculos académicos e políticos no Japão. Consta, porém, que foi com a ocorrência do Grande Cataclismo de Tōhoku de 11 de Março passado, que o prestigiado académico formulou a sua decisão final de estreitar o laço de uma opção identitária mais profunda e que o ligará mais intimamente e para o resto dos seus dias ao país que ao longo de quase toda a sua vida carregou no fundo do peito e pelo esforço do seu infatigável trabalho. Keene criticou recentemente aqueles que no próprio Japão manifestaram, de um modo ou de outro, sinais de falta de fé no futuro do seu país e na sequência do 11.03, e afirmou ser este o momento de cada um dar o máximo de si ao País ao Sol Nascente.






Donald Keene fotografado, em 1953, junto ao túmulo do 
Poeta Matsuō Bashō [松尾芭蕉 — 1644-1694], cuja exten-
sa obra mereceu alguns dos seus mais afamados e importan-
tes estudos literários.
       O Professor Keene é conhecido no Ocidente, sobretudo pelas inúmeras obras literárias de destacados autores Japoneses que traduziu e cuja edição promoveu, em primeiro lugar, nos E.U.A. de seu nascimento e demais mundo anglófono, mas também pela profícua ligação e amizade que logrou cultivar com alguns dos maiores homens de letras do século XX nipónico, entre os quais Kawabata Yasunari [川端康成], o primeiro escritor japonês laureado com o Prémio Nobel da Literatura (1968),  Mishima Yukio [三島由紀夫], discípulo dilecto do primeiro, e Abe Kōbō [安部公房], o último dos grandes romancistas dessa ínclita 1ª Geração de Shōwa —  a brava linhagem dos nascidos no início da regência do Ten'Ō Hirohito (meados da década de 20) e figuras-de-proa da literatura do  imediato Pós-Guerra —, e cujas obras, a par de tantas outras produzidas por incontáveis gerações precedentes de briosas penas do Japão, Keene assumiu, como uma responsabilidade pessoal,  levar Mundo fora. 


       Foi aos 16 anos que Donald Keene ingressou na Universidade de Columbia com o intuito de vir a ser um Orientalista especializado no domínio do Mandarim e demais idiomas dess'outro Império do Meio, a Grande China. 
      Seria, porém, e por efeito de um estranho golpe do Destino, que Keene haveria de se envolver súbita e profundamente com esse, à época, bem mais inacessível e obscuro Nihon-Go [日本語]: com o eclodir da Guerra em 1941, na sequência do ataque a Pearl Harbour, em Dezembro desse ano, Keene vem a ser recrutado pela Marinha do seu país onde passa a servir como oficial de transmissões e inteligência, integrado numa unidade especializada em operações de intercepção e descodificação de comunicações trocadas entre as forças  do inimigo.
       Durante a Guerra e na sequência do seu desfecho com a derrota do Japão em '45, Keene serviria ainda como tradutor e intérprete das forças armadas do seu país durante algum tempo e até à sua desmobilização, altura em que regressaria à actividade académica para a esta se entregar de corpo e alma, após a graduação com distinção em Columbia, em 1947, iniciando então uma prodigiosa carreira que o levaria numa incansável jornada pelas décadas fora por Harvard, Cambridge, Kyoto, Waseda, Berkeley e de regresso à sua Alma Mater, Columbia onde leccionou Língua e Literatura Japonesa por mais de cinquenta anos, com tempo ainda para traduzir e publicar dezenas de obras de autores Japoneses de várias épocas e estilos e redigir tantos outros aclamados tomos dedicados à Cultura e Literatura do Japão, com destaque para a sua História da Literatura Japonesa condensada em quatro volumes e uma das mais esmeradas e apreciadas biografias do Ten'Ō Meiji, publicada em 2002

        Keene viria, entretanto, e em 1986, a estabelecer a sua própria fundação e centro de estudos para a  Cultura Japonesa, e viria, a 3 de Novembro de 2008, Dia da Cultura Nacional [文化の日 — Bunka No Hi] a ser reconhecido pelo Governo do Japão e a receber das mãos de Sua Majestade, o Ten'Ō  Akihito, a Ordem da Cultura, distinção honorífica instituída em 1937 e reservada tão-só aos mais destacados beneméritos por serviço em prol da Cultura Nacional do Japão, tendo sido o primeiro estrangeiro a receber tão excepcional distinção.









         O passo agora dado pelo Professor Keene, ao formalizar o seu pedido de cidadania Nipónica, abdicando da nacionalidade Norte-Americana que detém ainda e por direito de nascença, foi, este fim-de-semana, entusiasticamente saudado pela opinião pública Japonesa e visto como um acto de grande coragem e respeito. 

         Deus o conserve entre nós por muitos mais e bons anos, Professor Keene. 

             乾杯! / Kampai!



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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Últimos Cartuchos...









   ...da Primavera em flor.
   E que melhor lugar para os queimar do que essa grande e serena necrópole, que se estende, solene, contemplativa, por toda a encosta da Colina dos Mortos?

   Hirao Reien [平尾霊園], o grande Parque Fúnebre de Hirao (não será correcto chamarmos-lhe cemitério, e irei já explicar-vos o porquê deste nosso entendimento...), domina o alto da zona Sul da cidade, a meio do percurso que usualmente me leva até ao Seishin'kan, o Kendōjō que gentilmente acolhe este NanBan, mais a Sul, ao bairro de Nagazumi, do outro lado do morro. Trata-se, na verdade, de uma dessas tais 'colinas prósperas' que dão o nome à cidade — Fukuoka, dos Kanji 'Fuku' [福 — Prosperidade] e 'Oka' [岡 — sinograma arcaico para colina]...

















    Com efeito, a expressão Reien [霊園] vê-se vulgarmente traduzida pela designação 'cemitério'. Contudo, a dita fórmula sinográfica significa literalmente 'Parque de Almas', e, de facto, os Reien japoneses são tudo menos cemitérios comuns, e antes, sim, vastos parques convidando os transeuntes a um passeio ocioso ou a um piquenique de fim-de-semana na companhia de entes queridos deste Mundo. 
   Alguns, como é o caso deste esparso 'parque memorial' (como também outras traduções livres sugerem) em Hirao, albergam mesmo pequenos espaços de recreio infantil, com baloiços e outros lúdicos engenhos destinados aos mais pequenos, e, no mais das vezes, destituídos de quaisquer muros ou vedações altas delimitando a respectiva área ou impedindo incursões a horas impróprias, achando-se, isso sim, harmoniosamente inseridos no seio de amplas áreas residenciais de uma certa classe-média a quem a proximidade dos jazigos de mármore cinza, em nada se reveste de mórbido ou funesto.
















       E era, sem sombra de dúvida, o melhor lugar que eu poderia eleger para uma despedida em grande às Sakura deste ano, que em Hirao Reien, e pelo fim-da-tarde de Quarta 13, iam já largando ao vento as suas alvas pétalas, num langor suave e silencioso sob o céu luzidio de Abril, cobrindo o solo e as 'hakaishi' [墓石] com essa peculiar neve de Primavera que só em lugares como este se exibe em toda a sua graça...








"...How I wish you were here with me now..."























































































































































































... E há sempre uma presença improvável,
 em trânsito...


































... E há sempre aquela Luz...



















...Ah!  Aquela Luz...

















Aquela Luz improvável











...A shiny beacon of Hope...





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