À hora do meu encontro com o majestático Nichiren Daishōnin [日蓮大聖人], a neve já caía, infrene, numa dança bêbeda de lânguidos, rodopiantes, pequenos flocos brancos, cobrindo, exaustos, com seu alvo manto, tudo em seu redor...
No frio afiado do cair da tarde, o sempre sereno e compassivo Daishōnin parecia hoje mais solene e desafiante que nunca!...
E ao contemplar o altivo e escuro, firme bronze que lhe dá corpo, uma estranha mágoa tomou de assalto o meu peito — por um momento recordei o calor humano de todos quantos mais queridos me são no Mundo, cujo sorriso e abraço fraterno mais falta me fazem e em especial um velho amigo que não vejo há mais de ano e meio.
O Bernardo é um desses enfermos alucinados que tornam dos países quentes*, como assim os designou Rimbaud nos seus sentidos versos, e que, a exemplo do Grande Bodhisattva Nichiren, optando por se guardar alheio às indulgências dadas de esmola aos que mais cuidam de arrecadar os meios de existir neste mundo efémero das coisas corpóreas que de erguer a vida aos domínios do Império da Alma, insiste em fazer ecoar a voz do Coração aos que ousam parar um minuto que seja a fim de a escutar, enfrentando, nessa escolha, todas as intempéries, toda a fria neve do tempo, todo o sol ardente no deserto da vida feita de compromissos inadiáveis, toda a ventania que arrebata e castiga o sonho. Para que a Nau do Espírito prossiga o seu curso a despeito da tormenta...
E uma pesada saudade sobre mim se abateu.
E uns quantos versos de sua pena urgiram largar infrenes contra a neve
"Havia bravura no branco
De um peito onde dormi...
"Fervores na bravura do branco
De um peito onde dormi..."**
Dedicado ao BERNARDO DEVLIN,
que o Novo Alvor te ilumine inteiro, meu Velho!
*J.A. Rimbaud, in "Mauvais Sang"
**Bernardo Devlin, in "Novo Alvor [O Canto Da Sala]",
do albúm "Circa 1999 [9 Implosões]" (ed. 2003)
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