sexta-feira, 16 de julho de 2010

Da Longa Madrugada da Idolatria... (Parte I — Retratos)







Wish You Were Here...

Que o título não vos induza em equívocos desnecessários: o termo Idolatria guarda para mim, ainda e hoje, uma singular força lírica — é daquelas palavras que excede largamente a dimensão introvertida da nossa vida quotidiana... da vida de todos nós — e é esse extravasar do tempo presente que nos contém e modera e abranda o ritmo dos nossos corações, aquilo que lhe concede, enquanto palavra — e é tão bonita como palavra !... — a intangível nobreza poética que lhe reconheço...



... e pontualmente, às 4:59 da madrugada, cantado o cântico de louvor a esses deuses exilados, celebrados em precárias efígies que só duram o tempo que leva a frenética procissão...


... a Alvorada das crianças doidas, irrompe, contra a noite d'intempérie, radiante, louca, irredutível, aluvião de Luz e Vida, expulsando, cego, feroz, intrépido, todas as sombras, todos os vestígios da noite que teimam em penar p'la cidade...




"Tudo o que é sério pouco nos importe
O grave pouco pese,
O natural impulso dos instintos,
Que ceda ao inútil gozo
(Sob a sombra tranquila do arvoredo)
De jogar um bom jogo." *















[Madrugada que queria ser Eterna...]



"Acima da verdade estão os deuses.
A nossa ciência é uma falhada cópia
Da certeza com que eles
Sabem que há o Universo." *



"Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada." *






"Não consentem os deuses mais que a vida,
Tudo pois recusemos, que nos alce
A irrespiráveis píncaros,
Perenes sem ter flores.
Só de aceitar tenhamos a ciência,
E enquanto bate o sangue em nossas fontes,
Nem se engelha connosco
O mesmo amor, duremos,
Como vidros, às luzes transparentes
E deixando escorrer a chuva triste,
Só mornos ao sol quente,
E reflectindo um pouco." *






"Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses.
Não pertence à ciência conhecê-los,
Mas adorar devemos
Seus vultos como flores." *





"Os deuses são os mesmos,
Sempre claros e calmos,
Cheios de Eternidade
E desprezo por nós,
Trazendo o dia e a noite
E as colheitas douradas,
Sem ser para nos dar
O dia e a noite e o trigo
Mas por outro e divino
Propósito casual." *





















"Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo." *




"Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença
Se a aurora raia sempre." *


"Feliz aquele a quem a vida grata
Concedeu que dos deuses se lembrasse
E visse como eles
Estas terrenas coisas onde mora
Um reflexo mortal da imortal vida." *




[Encontrei-o no caminho de casa. Já os peregrinos haviam dispersado e o Sol me queimava a pele]




*Ricardo Reis
(excertos de várias Odes)


[em actualização]

1 comentário:

  1. Belíssimas fotografias e apanhados.
    Feliz ideia juntar as Odes de RR. :)

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