Assinalando-se, hoje, 27 de Abril, dez anos sobre a morte de Charles Ralph Boxer (Sandown, Isle of Wight, Inglaterra, 8.03.1904 - St. Albans, Hertfordshire, Inglaterra, 27.04.2000), não poderia, de modo algum, deixar passar esta data em branco.
C.R. Boxer, como ficou seu nome gravado nas capas das obras que nos deu, assim como na memória de tantos de nós, será certamente por demais conhecido e objecto da mais sentida homenagem e veneração por tantos quantos de nós, pela História de Portugal na Ásia e no Mundo, e, em particular, pela História dos Portugueses no Japão — esses Nan Ban que um dia ousaram... — um dia se interessaram. E a respeito de Boxer, sua vida e extraordinária obra não me irei por aqui alongar, repetindo aquilo que outros, bem melhor do que eu algum dia poderia ter feito, escreveram em seu louvor e reconhecimento, limitando-me a remeter-vos para estes três magníficos textos na blogosfera Lusófona ⇓, por demais elucidativos, e a cujos autores — e porque para tanto nunca é tarde, assim quero crer — tomo esta chance para lhes prestar, eu, agora, a minha mais encarecida vénia: ao primeiro destacando-o no belíssimo e infelizmente hoje defunto Je Maintiendrai, daqueles que tanta falta faz, est'outro no extraordinário, mui recomendável e em grande forma, Macau Antigo, da autoria de João Botas, publicado há pouco mais de um ano, e, ainda este último, por mim mais recentemente descoberto, mui interessante artigo relativo à relação de Boxer com Armando Cortesão, e outros Historiadores e figuras suas contemporâneas, o Estado Novo e a oposição ao regime de Salazar nas décadas de 30 e 40, a propósito de uma polémica menos badalada mas de não menor interesse, artigo originalmente editado na Revista de Macau, e mui oportunamente trazido de novo a público pela mão do Daniel de Oliveira Cunha no seu não menos recomendável e muitíssimo interessante Lusofonia Horizontal, e façam favor de lá ir que vale mesmo a pena.
A obra de Boxer que ainda hoje mais me mesmeriza é esse "The Christian Century in Japan 1549-1650", editado em 1951, escassos seis anos volvidos sobre o fim do cativeiro do autor, às mãos do Exército Imperial Japonês, sorte que sofrera aquando da tomada de Hong-Kong, em Dezembro de 1941, constituindo uma das mais extraordinárias e meticulosas investigações num tema historicamente do mais complexo e hermético que se poderia eleger, e revelando-se claramente como o fruto da mais apaixonada predilecção temática, jamais enfadando o leitor por uma linha que seja — um estilo escrito surpreendentemente acessível e do mais cativante que poderíamos encontrar neste ou n'outro qualquer domínio historiográfico —, e tão mais exuberante ao termos em linha de conta que, não sendo Boxer um académico profissional — Boxer era Oficial do Exército Britânico, formado em Sandhurst e desde cedo educado na carreira das armas — e ainda que no período que dedicara à redacção de "The Christian Century..." tivesse (assim devemos crer) contado com o inestimável auxílio de amigos e contemporâneos seus como A. Cortesão — cuja amizade se diluiria após a publicação, em 1963, de uma sua outra obra, desta feita dedicada às relações raciais no Império Ultramarino Português (para conhecer melhor a quezília em causa, ler o artigo acima ⇑ em referência, no blogue Lusofonia Horizontal ⇑) — a somar à sua experiência de três anos como adido militar no Japão, entre 1933 e '36 e o conhecimento privilegiado que deste, à época, ainda sobremaneira inacessível país, de tal experiência possuiria, ainda assim o vasto elenco de referências bibliográficas e documentais, a minuciosa investigação das questões maiores levantadas pelo tema em causa, assim como da extenssíssima tapeçaria de detalhes tantos, do anedótico ao sublime, "The Christian Century..." permanece, hoje, quase sessenta anos após a publicação da sua 1ª edição, como uma inequívoca obra -prima.
Dos tais NanBan [南蛮] dessa primeira, tão acidental e tão acidentada viagem — Mota, Zeimoto, Peixoto —, a Mendes Pinto e Francisco Xavier; do incidente do San Felipe à chegado de Joosten, Adams e demais Kou'mou [紅毛] — esses outros 'barbas-ruivas' dos Países-Baixos... — a bordo do decrépito Liefde, nesse Abril de 1600; de Shimabara à embaixada de Sequeira de Souza, a última, ao tempo de D. João IV, aqui tendes aquela que deveria ser a vossa próxima epopeia de leitura obrigatória.
A obra de C.R. Boxer, tão vasta, diversa e complexa quanto a sua própria vida, merecerá decerto a melhor atenção de todos nós, e a despeito das linhas menos elogiosas que em tempos terá, num ou n'outro volume — com ou sem o assento de outros contemporâneos seus que ao mesmo tema dedicaram a parte ou o todo de suas vidas — acerca dessa demanda do nosso Portugal no Mundo, Boxer foi, pelo tanto que deu e pelo tanto ainda que honrou o nome da Pátria de Camões, de pleno direito, também ele um filho de Portugal, um Português no Mundo, e ainda agora me interrogo como não tem este homem ainda sequer um nome de rua em Lisboa, e não estou a pedir uma estátua de bronze em plena Praça do Império.
A sua Esposa, Emily Hahn, terá dito, em tempos que só "Charles [Boxer] poderia ter dedicado uma vida inteira ao estudo de Portugal e dos Portugueses na Ásia, porque só ele era suficientemente louco para tanto...".
Assim fôssemos todos nós.
"Apparent rari nantes in gurgite vasto".
[Virgílio, Eneida, 1.118]
Felicito-o por esta homenagem. Tenho lido Boxer, não tanto os seus trabalhos sobre o Japão mas sobre a Índia. A sua dedicação aos estudos da História Ultramarina Portuguesa merecem todo o nosso elogio.
ResponderEliminarDeixo-lhe o trecho de um autor que também lhe fez uma homenagem:
" J. R Russell-Wood - An Appreciation of Charles R. Boxer: Teacher, Scholar, and Bibliophile - Hispanic American Historical Review 80:4 Hispanic American Historical Review 80.4 (2000) 951-960 An Appreciation of Charles R. Boxer: Teacher, Scholar, and Bibliophile During the 40 years that I knew Charles R. Boxer, there were years of intense communication and frequent meetings, then years when months passed with little communication, followed by years when contacts were limited to a meeting at a conference, exchange of Christmas cards, or occasional letters sharing a research finding, answering a query, or recommending a new book. For me, there has been a transition from being an undergraduate student to being a fellow member of the guild of scholars, and the easy relationship that is the fruit of the passage of time. While Boxer's knowledge was so encyclopedic that his presence inspired the feeling of being perpetually in statu pupillari, one of his many talents was an ability to make one feel a fellow traveler in the quest of knowledge for a better understanding of humankind across time and space. Recollections of an Undergraduate I first met Charles Boxer in 1961 in his office at King's College London, at a time when he held the Camoens Chair of Portuguese at London University. I was an undergraduate in the School of Modern Languages at Oxford University".
Desculpe a extensão do comentário.
Bons ventos por aí!
Ana
Obrigado pela referência, Ana.
ResponderEliminarFez muito bem em partilhar — obviamente é do meu maior interesse e muito lhe agradeço.
NBJ
É Verdade !
ResponderEliminarCreio que essa "loucura" é uma virtude caracteristica de alguns poucos Portugueses que por aí andam espalhados pelo mundo e que precisam da "aventura" como de pão para a boca.
Esses no fundo compreendem à primeira aquela quimera escondida na poesia d´o Infante de Fernando Pessoa. Quando este diz "Senhor falta cumprir-se Portugal !"
E lá vão eles em missão sem saberem bem porquê, mas vão.
Desconhecia por completo a existencia deste autor, vou procurar e ler um pouco sobre ele.
Obrigado e bem hajas !
Muito interessante e patriótico, NBJ. Vou pesquisar mais sobre este assunto. Ainda há dias conversava com o meu pai sobre os Jesuítas no Japão.
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