O novo líder do Minshutō(民主党 — Partido Democrático do Japão) e futuro 1º Ministro será eleito pelos 398 membros do respectivo grupo parlamentar, já na próxima Segunda-Feira 29.
(Considerações soltas sobre a Cidade e costa envolvente)
Não será novidade para ninguém — nem sequer para aqueles que não tiveram, até hoje, a oportunidade de passar uma curta temporada por cá — que a generalidade das grandes cidades do Japão se resume, hoje, a uma dispersão compacta de vastas extensões de betão armado e aço e vidro e viadutos, e um perder-de-vista de prédios atrás de prédios de gosto e proporções variadas, permeado aqui e ali por um ocasional parque verdejante, primorosamente cuidado no aspecto, no mais dos casos, isento de delito comum. Betão em riste por toda a parte, porém — veredicto de uma implacável indústria construtora. Massa informe e irremediavelmente descaracterizada e descaracterizante, por comparação a um certo Japão idílico de prospectos a acenar ao turista e bilhetes-postais do Kinkaku-Ji e Neverland.
Nada de insuspeito.
Produto de décadas de galopante crescimento económico, aplacado somente há uma vintena de anos e sem promessa de novo fôlego à vista. Enfim. Nada que obste aos múltiplos encantos que ainda, aqui e ali, lhes reconhecemos e saudamos — ao País e suas cidades de nomeada.
Erigida sobre terra reclamada, Momochi nem sempre será este aparente cenário de invernal desolação, que hoje aqui trago ao escrutínio do vosso olhar. Porém este fim-de-semana os tons eram estes.
Sim, já vi Momochi bem mais alegre e apelativa às lentes das câmeras fotográficas. Sexta-Feira que lá vai não tinha como re-maquilhar os retratos. E, de facto, uma tempestade à la Pukkelpop aproximava-se a passos largos, não deixando margem de manobra para uma demanda de melhores vistas.
Mas, como acima escrevia, Agosto aqui é sempre assim.
Busca-se um ledo areal onde esticar as pernas e o céu desdenha.
Fora de portas, a orla costeira deste Noroeste de Kyushu, não oferece nem muitas nem melhores alternativas ao ocioso viajante — praias em geral sujas, detritos 'made in Korea' a dar em barda à costa (o quasi-omnipresente Hangul nos rótulos das garrafas de plástico e outros dejectos espalhados pelos areais da prefeitura, não engana), águas escuras onde dançam medusas e alforrecas muitas, marés quietas, mar hostil. E aquele excesso de cimento armado por toda a parte — barreiras de protecção anti-tsunami, maciças estruturas de abrigo portuário, os viadutos, os semp'eternos viadutos de escoamento do tráfego automóvel a riscar cada kilómetro de costa...
Ele há, certamente, excepções a contraditar este relatório pouco ou nada abonatório de uma costa que se queria formosa e atractiva a um turismo tão doméstico quanto internacional, há décadas almejado por governos e privados deste país.
Porém, quiseram os Deuses que do mar esta terra sublimaram, que Kyushu-Norte trajasse estas vestes de velório pelo andar de cada Verão adentro e não há como o contrariar.
Há sempre, e por piores que sejam as circunstâncias, quem não faça caso, e mesmo com um temporal de levar tudo atrás a anunciar-se no horizonte, por ali vá ficando a pescar de cana nos pontões de pedra, a olhar as nuvens em intimidante rodopio, ou a fazer castelos na areia.
Quatro sorridentes senhoras em garridos trajes de veraneio solicitam-me que lhes tire um retrato às quatro, com recurso ao iphone de uma delas, e com a monumental Fukuoka Tower de fundo. Faço o melhor que posso para as ter proporcionadas contra o todo do imponente arranha-céus. Não tenho ângulo para tanto. Não tem importância, quem pediu dá-se por satisfeito com meio-edifício por paisagem.
Estou-me nas tintas. (se há coisa que a Etsu gosta, e a deixa em solene silêncio, é ver-me a pintar)
Por altura do Obon é suposto pensarmos nos Mortos.
Ora eu penso nos Mortos todo o ano. E hoje pus-me antes a pensar em carpas, nessas coloridasKoi[鯉] que abundam por tudo quanto é charco neste país e se amontoam, sôfregas, nas margens dos lagos dos templos a olhar aflitas para miúdos e graúdos que lá dão a gosto as duas moedas de 100 ¥enes ao homem das hóstias, para as ver pular de satisfação, empurrando-se umas às outras, furiosas, embrutecidas, de olhos esbugalhados à cata da esmola alimentícia, o pobre pedaço de pão ázimo industrializado a que só elas, as carpas, no seu peculiar e apertado modo de existir, atribuem especial favor.
São umas criaturas extraordinárias, as carpas. Porém, algo me diz que são uns bichos infelissíssimos.
Depois veio-me à memória a tal canção que todos os putos do meu bairro eram praticamente obrigados a saber de cor e que todos aprendiam, imposição dos mais crescidos, com maior ou menor empenho, a dedilhar à guitarra — quase-rito iniciático de acesso à idade das perguntas complicadas. As tais a que as canções podem dar resposta. (Se bem que no mais das vezes, raramente chegássemos lá, às constatações de facto feitas canções...)
... E de súbito ocorreu-me como os anos passam, até que a cifra secreta de uma canção, num dia assim, como que por magia, surja revelada, em todo o seu esplendor — ora pois claro! lá está, era mesmo disto e de vidas assim que falava a trova...
Joe O'Donnell, "Japan 1945 — A U.S. Marine's Photographs from Ground Zero"
"As I approached the outskirts of Ground Zero, I came upon these three children. The oldest child was pushing the other ones on this makeshift cart. They stopped and looked at me, uncertain as to what I might do. I gave the oldest one an apple, he bit into it,then passed it to the next child. At once, a swarm of flies descended on the apple, but the children shared the apple in solemn silence, oblivious to the flies flying in and out of their mouths."
O Enola Gay acabara de falhar o alvo militar pré-determinado por uma margem de 800 pés, tendo o Little Boy, ao invés do 'pretendido', detonado a uma altitude de 1890 pés, mesmo por cima da Clínica Hospitalar Shima (島病院), uma pequena unidade hospitalar privada.
Num mero instante, as robustas colunas de pedra que ladeavam a entrada do edifício foram literalmente arrancadas do solo como ervas, o próprio edifício derrubado num sopro e os seus ocupantes, todos sem excepção, pulverizados…
Nesse mesmo instante, 90% dos edifícios de Hiroshima viam-se reduzidos a escombros e uma área de 10,6 ㎢ transfigurada num horrendo deserto de cinzas.
"If used in numbers, atomic bombs not only can nullify any nation's military effort, but can demolish its social and economic structure and prevent their re-establishment for long periods of time. With such weapons, especially if employed in conjunction with other weapons of mass destruction such as pathogenic bacteria, it is quite possible to depopulate vast areas of the earth's surface, leaving only vestigal remnants of man's material works."
*Report of the Joint Chiefs of Staff, Operations Crossroads, June 30, 1947
Não Caríssimos. Não se trata de um exercício de futurologia ou do título de uma qualquer novela de antecipação ou cine-odisseia sci-fi.
O título que dá mote a este breve escrito — e por referência à obra videográfica que hoje vos proponho [☝] — alude, contrariamente ao que possa sugerir, a um passado bem recente e ainda bem presente, e ainda que obscurecido pelo incómodo do tema de má-memória que lhe dá forma e conteúdo, e que, de um modo geral, todos aprendemos de um modo ou de outro a arrumar numa arrecadação poeirenta da nossa consciência tão individual quanto colectiva — e partindo do princípio (muito discutível, é certo) de que a humanidade ou uma parte significativa desta, partilha de uma consciência moral dita colectiva, isto é, de uma percepção geral e amplamente disseminada do que é moralmente certo e do que é errado, do que é razoável e do que é absurdo, independentemente de variáveis e dissensões entre credos religiosos, político-ideológicos ou de outra natureza.
O número 2053 hoje aqui proposto — número gordo, número feio…— não é mais nem menos que o número total de explosões nucleares documentadas e contabilizadas entre 1945 — ano da detonação do primeiro engenho balístico nuclear, o ensaio Trinity no deserto do Novo México, em Julho do último ano da II Guerra Mundial — e 1998, e por iniciativa e responsabilidade de pelo menos 7 potências.
E ainda que a dança macabra do nuclear ao serviço da destruição em grande escala esteja longe do fim, é a reflectir sobre este incómodo tema que se nos dirige o convite do artista Japonês Hashimoto Isao (n. 1959), sem música e a um ritmo trôpego e por demais monótono (tão trôpego e monótono quanto o será qualquer discurso que pretenda justificar o injustificável), assim possais dar pouco menos de um quarto de hora do vosso precioso tempo a esta tão simples quão extraordinária obra.
É verdade, meus amigos, por terras a Norte e Nordeste, nem tudo o 11.03 levou.
Entre as pequenas e muitas maravilhas que por esse Japão do Norte abundam e ainda lograram escapar ilesas à voragem do cataclismo de Março, conta-se essa singela pérola histórica: a aldeia de estâncias termais (Onsen — 温泉) de Ginzan [銀山 — "A Montanha de Prata"], Prefeitura de Yamagata [山形県], onde pontifica o famoso Notoya'Ryokan (能登屋旅館), mítica estalagem e onsen de excelência, que entre outras coisas terá servido entre as grandes inspirações de uma das mais belas obras de cinema de animação das últimas décadas, a saber, "A Viagem de Chiiro" [千と千尋の神隠し] de Miyazaki Hayo.
A Etsu teve a felicidade de por lá passar em visita de trabalho, por altura da minha ausência/presença entre vós, queridos leitores e amigos em Portugal, e não se esqueceu de nos deixar esta prenda que hoje vos dedico.