terça-feira, 20 de setembro de 2011

Um apelo sentido, uma mensagem a reter



Foi ontem, dia 19 de Setembro, Dia Nacional do Respeito pelos Idosos — 敬老の日, Keirō-No-Hi —, que teve lugar, no Parque Meiji em Tóquio, a maior manifestação anti-nuclear desde os fatídicos eventos de Março passado. A acção de contestação da actual política de contenção da crise nuclear de Fukushima e de protesto contra a inépcia do governo e TEPCO em esclarecer devidamente o público acerca da dura realidade que o Japão hoje enfrenta, contou com o apoio e presença de inúmeras e destacadas figuras da sociedade civil e cultural do Japão entre os quais Ōe Kenzaburo, Prémio Nobel da Literatura em 1994 — 2º a contar da esquerda na foto supra —, que assina um breve e contundente artigo na edição do Mainichi Shinbun [毎日新聞] do mesmo dia, sobre a gravidade da actual situação em Tōhoku, a afectar não apenas o Nordeste e centro do Japão, mas as vidas de todos nós.

        Ainda do mesmo jornal, edição de hoje, 20.9, da autoria de Tamaki Kenji, um outro artigo de opinião sobre a questão do tratamento (censurado e não menos censurável) da informação vertida sobre a crise nuclear actual, que temos a destacar.



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7 comentários:

  1. LFA,

    Ainda bem que aparecem aqui estas informações para não parecerem disparatados os comentários que deixei no seu post de 17 de Setembro. De facto, a situação da radioactividade aqui em Tóquio (e desde o sul de Tohoko até ao norte de Shizuoka e Yamanashi) é muito preocupante, mas como expliquei as notícias são abafadas. Como, também havia dito nos comentários a esse post, vai falar-se muito mais disto daqui a anos quando já tiver morrido, ou esteja a morrer, muita gente e então for feito um pedido de desculpas e pagas indemnizações.

    O Yomiuri hoje traz uma notícia que, a confirmar-se, me deixa sem palavras. Como se não vendem internamente os produtos agrícolas e piscícolas de Fukushima e de Miyagi (e outros industriais também, veja que ontem numa Matsuri em Nisshin-Aichi a população revoltou-se, não permitindo o lançamento de fogo de artifício produzido em Fukushima), o Governo para dar apoio aos produtores decidiu comprar 5 biliões de Yen para ODA (Official Development Assistance) para enviar como ajuda alimentar a países subdesenvolvidos. Isto é imoral, tanto mais que todos sabemos que o objectivo não é filantrópico, um japonês nem sabe o significado da palavra. Pergunte-se a qualquer homeless aqui no Japão!... A esperança do MNE japonês com esta ODA é que agradecidos, e com um bocadinho mais de radioactividade no corpo, talvez os cambojanos, os somalis ou os etíopes, por exemplo, queiram comprar muito mais Toyotas ou Mitsubishi, ou se decidam mesmo a comprar uma Central Nuclear produzida por um consórcio Hitachi-Toshiba-Mitsubishi e com dinheiro emprestado pelo Sumitomo ou pelo Tokyo Mitsubishi UFJ e com juro bonificado ao longo de anos se, e enquanto, forem comprando produtos Made in Japan, mesmo que não precisem e sejam mais caros que outros.

    Todavia, repito o que disse nesses comentários de dia 17: a situação da radioactividade é gravíssima, mas o que me preocupa mais no Japão são facetas novas, ou que nunca se me haviam mostrado tão vivas e que podem comprometer o futuro do país como a ausência de solidariedade; a corrupção e mediocridade política; roubos, criminalidade, bullying nas zonas afectadas; incompetência técnica generalizada e impunidade; internacionalmente, o Japão começa a tornar-se irrelevante comercial, tecnológica, política e militarmente; xenofobia e nacionalismo crescentes que são preocupantes num povo de natureza bélica.

    LFA, obrigado por este post e um grande abraço do
    Antonio Burnay Bastos

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  2. A situação no Japão é preocupante, mas também noutras partes do mundo. Os donos do poder tendem a abafar a realidade, mas lentamente as máscaras tendem a desaparecer. Infelizmente o que nos espera parece não augurar nada de bom, mas haja esperança.

    Abraço

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  3. Caro ABB,

    Este 'post' foi também trazido a pensar em si, na conversa que deixámos aí dois 'posts' mais abaixo, e sobretudo com a intenção, da minha parte, de dar o mais-que-merecido eco às observações e informações que aqui nos trouxe e que são, naturalmente, da maior importância.

    A história que nos conta aqui no 2º parágrafo deste seu comentário acima, realmente é de bradar aos Céus! Eu confesso que não estava a par desta, parece anedota de mau gosto, palavra d'honra. Mas já nos vamos habituando, não é assim?

    Eu penso — e já achei mais 'piada' a essa constatação de facto — que o Japão é, ainda hoje e como aliás sempre foi, um país claramente governado a partir de obscuros bastidores onde famílias e clãs dotadas de especial e ancestral influência, manipulam as cortes do poder — foi assim com os Tokugawa, foi assim com Meiji, foi assim Showa, e por sinal continua a ser assim — e apesar de hoje já haver, assim me parece, uma maior e mais ampla capacidade de intervenção cívica/popular no abordar de questões desta gravidade, os gabinetes de onde emanam decisões como esta que nos relata, parecem estar a flutuar numa distante estratosfera onde que vai "cá por baixo" não conta, não pode contar, nunca vai contar. É realmente muito triste e preocupante.

    Contudo, há algo que não devemos por nada esquecer e que eu nunca me canso de aqui recordar: este país foi o primeiro na História da Humanidade a lidar não com um, mas com dois pesadelos nucleares de primeira ordem e a sério...

    Ora como recordava a minha mulher ainda agora, agricultura, pescas e as vidas de milhões de pessoas nas regiões mais afectadas em '45 pelos bombardeamentos nucleares de Hiroshima e Nagasaki, nunca foram suspensas, nunca pararam por medo do pior, nem poderiam!, tal o estado de completa destruição e emergência em que o país estava então, e tamanha a necessidade de lançar mãos à reconstrução — 20 dias após Hiroshima, e sem que houvessem ordens claras nesse sentido, a cidade (isto é, o que dela restava) já tinha electricidade e transportes públicos a circular! tamanho o esforço e empenho das populações locais de então em agir rapidamente em força .

    Ora, ainda que a radioactividade na altura disseminada pelas duas bombas tenha, a longo prazo feito muitas vítimas, a verdade é que estamos cá todos para lembrar, a começar pelos Japoneses cujas famílias sempre viveram em ambas as regiões mártires de Hiro e Naga, os próprios hibakusha que ainda estão entre nós, e a Vida triunfou sobre a Morte em ambos os casos, como já aqui tenho recordado — e olhe que pior que aquilo era impossível! Fukushima foi uma 'amostra' mínima! de pesadelo comparado com o que aquela gente sofreu na altura...
    Há que ser perseverante e não abdicar da mais elementar lucidez.
    Como H.M. Stanley dizia de Livingstone: "Foi com ele que aprendi que o verdadeiro sofrimento gera perseverança e este gera carácter."
    É assim que eu prefiro pensar.

    Forte Abraço, outro!

    LFA, NBJ

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  4. Caro AC,

    Obrigado pela visita.
    Há esperança sim.
    Esta manifestação de que o artigo fala é, para mim, prova disso.

    Feliz de o ver por 'cá'.

    Forte Abraço,

    LFA, NBJ

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  5. Caro LFA,

    Concordo que a vida triunfa sobre a morte e que “verdadeiro sofrimento gera perseverança e este gera carácter”, mas não ambicionando a uma perseverança e carácter perfeitos, pode ser-nos servida uma dose um bocadito mais pequena de sofrimento. Eu até me contento com uma mini dose. A sério...

    Não sei o que é que liberta mais radioactividade, se uma bomba atómica, se um desastre numa central nuclear. Penso que Fukushima libertou muito mais radioactividade do que as 2 bombas atómicas. A esmagadora maioria das mortes em Hiroshima e Nagasaki deveu-se à vibração, sopro e calor da explosão, muito mais do que a radioactividade. Por isso é que a bomba de Nagasaki (9 Agosto) era mais forte do que a de Hirishima (6 de Agosto), mas provocou muito menos mortos porque, ao contrário de Hiroshima, Nagasaki é uma cidade de colinas (foi “fundada” pelos portugueses que só constroem em colinas) e estas de algo modo protegeram do impacto várias zonas, apesar da bomba ter explodido a 500 metros de altura.

    Numa bomba atómica, a radioactividade espalha-se, dura anos, mas não se multiplica como acontece num desastre nuclear. Em Fukushima, tivemos em Março várias fugas gigantescas e, desde aí para cá, há fuga e contaminação permanentes do ar, dos solos, da água do mar e dos veios freáticos, com a influência que isso tem no ar que se respira, na agricultura, nas pescas, na carne e no leite, na água canalizada, etc.

    Claro que não se pode falar disto no Japão, porque parece mal... O Primeiro Ministro Kan disse que algumas de dezenas de km à volta da Central de Fukushima não poderiem vir a ser habitados nos próximos 20 anos e caiu-lhe a Comunicação Social em cima: Não se diz isso , então coitadinhos dos habitantes dessas zonas?! É verdade, coitados, mas esta é a verdade, e esses habitantes também, ao longo dos anos, receberam muito (mas muito) dinheiro da TEPCO. Sabia disso? Agora, acabado de tomar posse o novo Governo, o ministro Hachiro visita a região de Fukushima e diz que lamenta aquele cenário de várias cidades que parecem mortas. Isso (é verdade mas) não se diz! Teve que sair do Governo no dia seguinte. É melhor eu ter cuidado, porque se fizer mais algum comentário sobre Tóquio ainda acabo por sofrer a Pena Capital...

    Um abraço do
    ABB

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  6. Estimado ABB:

    Não estou em posição de contestar o que acima afirma, recorrendo a informações técnicas fidedignas — simplesmente não é a minha área de saber —, nem tão-pouco pretendo negar a pertinência das suas afirmações acerca da gravidade de Fukushima. Eu próprio, como já aqui deixei claro, partilho da apreensão que vem manifestando sobre esta questão, e não me considero propriamente 'optimista' em relação à mesma.

    Contudo, duas ou três observações tenho ainda a fazer e a respeito destas suas últimas considerações:

    1. Comparar o incidente de Fukushima com a experiência dos ataques nucleares de '45 poderá não ser a abordagem mais correcta para discutirmos a questão, porém uma coisa é certa: a radiação herdada dos bombardeamentos atómicos de '45, além das vítimas que fez 'na hora', deixou sequelas a longo prazo que se manifestaram — e ainda que de forma mais contida que o inicialmente temido — seguramente até aos anos 90 do século passado, e que em vários casos não foram ainda inteira e categoricamente compreendidos pela comunidade científica — a este respeito VER algumas referências 'online' que aqui deixo: http://www.hiroshimacommittee.org/Facts_NagasakiAndHiroshimaBombing.htm

    http://www.atomicarchive.com/Effects/effects16.shtml

    http://www.atomicarchive.com/Effects/effects17.shtml

    http://www.hps.org/publicinformation/ate/q340.html (daqui ler sobretudo a última parte com particular atenção)

    Mas bem, bem piores, e menos conhecidos, são os efeitos prolongados e endemicamente herdados por efeito da exposição de seres humanos a detonações nucleares com fins bélicos noutros lugares do Mundo — e estou a pensar, em especial, no caso do Cazaquistão, onde os Soviéticos entre as décadas de 50 e 70 fizeram experiências inimagináveis em 'cenário real', e onde o número de nascituros e crianças com deficiências e malformações congénitas, até há bem pouco tempo, atingia proporções epidémicas; e ainda no caso de milhares de militares e civis Norte-Americanos igualmente expostos, nas décadas de 50 e 60 a ensaios nucleares de grandes dimensões como as operações "Nougat" (1961-62) "Dominic I e II" (uma insanidade sem precedentes, de 105 detonações de bombas de hidrogénio, levadas a cabo entre Abril e Novembro de 1962, em resposta à "Tsar Bomba" soviética [a pior de sempre] detonada em Novaya Zemlya, no Círculo Polar Árctico em Outubro de '61) ou "Flintlock" (1965-'66), no mais dos casos, com as equipas e formações militares a assistir a estes testes a dezenas de kms. de distância, e a acusarem em variadíssimos casos, muito mais tarde, todo o tipo de doenças que em muitos exemplos viriam a manifestar-se nas respectivas descendências — aconselho vivamente, a este respeito, um documentário medonho exibido aqui no Japão pela NHK, se a memória me não falha, há um par de anos chamado "Nuclear Soldiers", que estou farto de procurar e não consigo encontrar em parte alguma, para mal dos meus pecados. Recordo-me perfeitamente de um testemunho em particular, de um ex-G.I. presente em "Dominic" cujas três filhas nascidas num período de dez anos após a sua participação na dita operação militar, haviam nascido todas com malformações congénitas em orgãos do sistema cardio-respiratório.

    (CONT.)

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  7. 2. Por outro lado não nos podemos esquecer que o Japão não é o primeiro país a sofrer um desastre desta natureza: as experiências e os ensinamentos de Three Mile Island e, mais ainda, de Chernobyl não podem ser descuradas enquanto termos de comparação — se bem que eu continuo a pensar que Chernobyl foi bem pior que Fukushima (admitindo poder estar errado a este respeito, peço-lhe o benefício da dúvida).

    Ora Chernobyl teve a gravidade que teve, a radiação disseminada por extensas áreas da Europa Central e do Norte foi em dimensões essas sim dignas de serem qualificadas de "apocalípticas" — VER aqui um mapa aleatoriamente escolhido do respectivo 'fallout' radioactivo: http://atomwatch.blogspot.com/2007/09/chernobyl-far-away-sweden-to.html —, foi há 25 anos e estamos cá todos.
    E ainda que pese sobre Chernobyl a questão do projecto do gigantesco 'sarcófago' que ainda está por conceber e se vai ou não conseguir conter o 'monstro', a verdade é que a vida na Europa prosseguiu, prossegue, nascem crianças bonitas e sãs todos os dias, e também na Ucrânia que de Chernobyl colheu o pior da sua sina. Quero acreditar que o futuro do Japão não será pior que o da ex-República Soviética e seus vizinhos.

    3. Por último: não vejo o 'blackout' informativo que parece preocupar mais o ABB, como algo de tão cerrado e tão envolto em 'tabús', como refere.
    A questão da desertificação de amplas áreas em redor de Fukushima e outras em Tōhoku vítimas sobretudo do cataclismo e não tão directamente pelo nuclear, têm sido objecto de notícias várias, por exemplo, por parte de jornais de grande tiragem, expressão e influência junto do grande público como o MAINICHI (de Direita) e o ASAHI (de Esquerda).
    Eu próprio citando o Mainichi a quem dou a minha pessoal preferência enquanto canal informativo, aqui abordei essa questão no meu 'post' assinalando os seis meses da tragédia.
    A história do Ministro Hachiro, que aqui nos relembra, realmente é lamentável, mas há algum tempo que já se falava em correr com ele antes da história que recorda, e para todos os efeitos a generalidade dos problemas mais graves de Tōhoku não tem sido ocultada pelos 'media em geral', e isto em minha opinião.
    Bem pelo contrário, o profissionalismo, a demanda de informações correctas e o exigir ao Governo e TEPCO mais esclarecimentos e mais transparência, por parte de orgãos informativos tradicionalmente conotados quer à Esquerda, quer à Direita, como os que acima cito, a meu ver, tem sido exemplar.

    Forte Abraço, e obrigado, uma vez mais, pelo interesse e pelo impagável contributo que aqui nos tem deixado.

    LFA

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