Como sabe também gosto do Japão e estou ligado a esta terra, preocupando-me com ela. Ora, o Japão está a caminhar mal, ou então a revelar-se como eu teimava em não o ver. Não sei... “Quem feio ama bonito acha” diz o povo. De facto a Nipofilia, e o gosto pelo Extremo-Oriente permite-nos tolerar alegremente o que nunca tolerariamos na Europa.
Dia 11, o Luís Filipe dizia num comentário que "A Vitória é certa... levará o seu tempo, é certo, mas o Japão possui uma capacidade de regeneração como mais nenhum outro país no Mundo se pode gabar.” Eu hoje já não estou tão certo...
O que me está a preocupar no Japão 6 meses após o terramoto:
- Ausência de solidariedade; corrupção e mediocridade política; roubos e criminalidade nas zonas afectadas; bullying a pessoas dessas zonas.
- Incompetência técnica generalizada e impunidade. Pensei que os erros técnicos nos Toyota e Mitsubishi ao provocarem mortes em vários países fossem o limite e fossem uma lição - estava enganado!
- Níveis perigosos de radioactividade e que vão durar anos. Tal como há 50 anos aconteceu aí em Kumamoto com a “minamata” provocada por descargas fabris de mercúrio no mar que contaminaram peixe e marisco, provocando 3.000 mortos e dezenas de milhares de afectados. A Empresa, com o OK do governo, encarregou a Yakusa de ameaçar quem se mostrasse mais destemido e de controlar a Comunicação Social. Só há poucos anos, as Autoridades reconheceram a culpa da Empresa, apresentando desculpas formais e pagando algumas indemnizações aos preços dos anos 60! Daqui a anos haverá um pedido de desculpas e indemnizações às vítimas da radioactividade, muitas das quais já terão morrido ou contraído doenças irreversíveis. É assustadora a quantidade de informação ocultada, as mentiras (porque se vem a saber depois, e é-nos comunicado nas TVs com o ar infantil de quem lamenta que se enganou...) e o descuido com o perigo, sem preocupação sequer com a cadeia alimentar. Os níveis são demasiado elevados na terra, ar, agricultura, cidades e mar, não só em Fukushima, mas em Kanto, incluíndo Tóquio. Isto vai ter consequências na saúde, autoestima e imagem dos japoneses! E os políticos e a Comunicação Social, mesmo calando, sabem bem disso!
- Internacionalmente, o Japão começa a tornar-se irrelevante comercial, tecnológica, política e militarmente. A indústria japonesa já é incompetitiva. A solução está nos serviços e na tecnologia de ponta. Mas os serviços japoneses são, provavelmente, os piores da OCDE (e nem me refiro à Banca que está atrasada talvez 20 anos em relação á europeia), e inovação requer criatividade. Ora criatividade é coisa proibida no Japão nas escolas e empresas. Se um designer da Toyota, por exemplo, for brilhante dizem-lhe ”vai trabalhar para a uma das nossa fábricas nos EUA ou na Europa e não voltes”. É necessário mudar a escola, mas que implicações isso terá na cultura japonesa e, portanto, no Japão? - Xenofobia e nacionalismo crescentes que são preocupantes num povo, de per si, de natureza bélica. Um japonês sozinho é uma “jóia”, mas eles são educados para obedecer e em grupo não tem cérebro nem coração, podendo tornar-se perigosos. A 2ª guerra, bem como as barbaridades que comenteram na China, na Coreia, nas Filipinas e na Indonésia que o digam... Um dos argumentos do Yomiuri e da NTV favoráveis ao Nuclear e visando reabrir o mais rapidamente possível as tantas Centrais que hoje estão fechadas, é que o Japão foi autorizado nos anos 60 (plena guerra fria) a utilizar putónio (internacionalmente raro) que é o produto das bombas nucleares e, portanto, dissuasor... Isto é arrepiante!
Infelizmente, tenho que dizer que não estou optimista com o futuro do Japão. Se estiver interessado posso desenvolver estes pontos. Se leu tudo isto até aqui, bem-haja pela sua paciência.
Está cá há muitos mais anos do que eu, conhece certamente a realidade nacional muito melhor do que eu e muito tenho a saudar o seu contributo para melhor entender as questões que aqui e agora levanta e outras mais.
Eu confesso que também já fui bem mais optimista e confiante em relação à capacidade e exemplo deste país do que sou hoje e muitas vezes levanto a questão se valerá mesmo a pena acreditar no (que ainda aparenta ser o) melhor deste país ou se tudo não passará de uma enorme ilusão.
Em qualquer recurso e tomando o Ocidente em geral por termo de comparação, continuo a achar a realidade aqui, apesar de tudo, bem mais sustentável e digna de confiança. A ver vamos. Só o futuro o dirá.
Mas gostaria muito sim, que, assim tenha disponibilidade nesse sentido, desenvolvesse aqui os seus pontos de vista para podermos comparar informações, experiências e perspectivas quantos aos pontos preocupantes que refere e outros mais que haja de abordar.
Provavelmente, efeito de me achar em Kyushu, longe, bem longe do pior que a Norte vai, sofra de uma certa tendência para me alhear e esquecer do pior, do que realmente de pior haverá a assinalar. Assim sendo, uma vez mais, muito obrigado.
Obrigado pela atenção que me dá e simpatia com que me trata, e particularmente agora que são tempos difíceis em Tóquio. Tentamos fazer a vida o mais normal possível, embora os níveis de radioactividade no água da torneira, no ar e no solo o não deixem. Mudámos hábitos, como por exemplo evitar comer e beber fora, por causa da água nos cozinhados, na lavagem das saladas, no café ou chá, etc; em casa usamos água engarrafada (será verdadeira a origem?) e por isso fazemos menos cozeduras, estamos sempre atentos a se o peixe, a carne, a fruta, os legumes, etc não vêm de zonas contaminadas (sobretudo de partes de Fukushima, Miyagi, Ibaraki, Chiba e Shizuoka - pior que Tóquio); evitamos o mais possível estar na rua quando chove, porque a chuva é muito mais radioactiva do que o ar, mas este não podemos deixar de respirar. Enfim, vivendo aqui tem que se fazer a vida o mais normal “possível” e sabemos que todos morreremos um dia, ninguém cá fica...
Não sei se estou aqui há mais ou menos anos do que o LFA, mas embora a antiguidade seja um elemento importante da experiência, em meu entender mais importante ainda é a capacidade de crítica decorrente da observação. E este blogue revela experiência. Os japoneses valorizam quase exclusivamente a antiguidade, os ocidentais (e os americanos mais do que os europeus) pouco e às vezes até consideram que não ser novo é um handicap. Certo que me faz confusão ver em Portugal Juízes, membros do Governo, grandes decisores com trinta anos, mas no Japão o topo está quase sempre nas mãos de gente acima dos 55 e que, na maioria, não chegou à posição por mérito técnico, mas por ter revelado obediência aos superiores, se “mexer” bem nos canais da promoção e se rodear de seguidores. É certo que a decisão no Japão é relativamente de equipa, mas nem 8 nem 80. (cont.)
Os japoneses são muito bons na indústria porque o fabrico faz-se de acordo com manuais e os japoneses são educados para seguirem à risca as instruções. Risca quer dizer 100,0%. Repare que aqui os produtos para cozinhar, por exemplo, têm os minutos (e às vezes os segundos) para cozer, estar no forno, etc. Uma vez comprámos um pacote de spaghetti italiano e não dizia o tempo de cozedura. Que fazer? De repente lembrei-me que talvez estivesse escrito nas letras pequeninas da composição. E lá estava. Havia descrição em talvez 25 línguas e só no espaçozinho em japonês estava o tempo de cozedura, nas outras língua não havia instrução. Dizer a um japonês “mais ou menos” ou “aproximadamente” deixa-o sem saber o que fazer.
Uma vez, para obter a licença de importação de uma bebida houve um problema porque o PH não podia ser superior a 4. Ora o PH daquela bebida flutua entre 3,6 e 4. Para um burocrata japonês “não poder ser superior a 4” exclui o 4, na cabeça de um ocidental não, tanto mais que naquele intervalo amplo, é mínima a probabilidade de ser 4, e mesmo assim 4 não é superior a 4. Foram meses e meses de obstáculos, levantar de dificuldades e gasto de muito dinheiro em análises (o proteccionismo no Japão não se faz pela lei, mas pela interpretação dos burocratas) pelo que eu estava preste a desistir. Pensei “perdido por 1 perdido por 1000” e expliquei a situação ao produtor na Europa, pedindo-lhe para me reenviar o documento oficial (portanto com a assinatura do Ministério) atestanto que o PH se situava entre 3,6 e 3,999. Entreguei o documento às autoridades japonesas. Estava com medo de me acusassem, ou à empresa, de entregar um documento falso, ou de estar a brincar com eles, mas para meu espanto a reação imediata foi “ah! Assim, sim, agora está tudo bem” e no final desse dia o produto estava licenciado no Japão!
Veja a situação ainda mais ridícula do que aconteceu no túnel de Hokkaido em Maio passado. No meio do túnel começou a aparecer fumo numa carruagem. Foi dado o alerta, o comboio parou imediatamente e foram fechados os semáforos pelo que nenhum outro comboio podia entrar no túnel. No manual de procedimentos diz que o condutor e o factor devem descer à linha para encontrar a fonte do fumo e que se houver fogo devem ser abertas as portas para libertar os passageiros. Como não encontraram fogo e no manual não estava escrito que não encontrando o fogo não têm que abrir as portas, não as abriram! No entanto, os passageiros iam sufucando com fumo e calor. Pediam para abrir as portas. Mas não havia fogo, portanto não tinham que se abrir as portas. Mais de meia hora de sofrimento, houve quase um motim e foram os próprios passageiros, para grande aflição do condutor e do factor que partiram as portas e sairam. Os portugueses talvez tivessem aguentado apenas 5 minutos antes da acção e provavelmente teriam deixado recordações nos funcionários.... Não tenho presente se morreu alguém, mas houve dezenas de feridos, alguns ficaram dias nos Cuidados Intensivos. O processo está em Tribunal e os funcionários não entendem porquê, já que apenas seguiram o Manual. A JR em conferência de imprensa nada mais tem a dizer do que “o Manual tem que ser revisto”. Isto é Japão!
Nos anos 70 houve um avião de guerra americano que era também montado no Japão. Os aviões “japoneses” obtinham persistentemente muito mais horas de vôo por avaria. Uma comissão americana investigou o porquê durante meses e não encontrou explicação, a não ser os japoneses seguirem á risca as instruções de montagem.
Os japoneses são educados desde pequenos na atenção ao detalhe, na obediência estrita, em não fazer nada de diferente. Há escolas que medem a distância que vai da saia à meia nas raparigas, o tamanho da cintura (está no Manual!), muitos professores fomentam que grupos de estudantes façam bullying a quem mostre diferenças, de forma a dissuadir o aparecimento de coisas novas. Qualquer motivo serve: é mais alto, mais gordo, é estrangeiro ou fala bem inglês, a família apareceu na Tv, teve uma opinião diferente, etc. Todos os anos se suicidam 100 a 200 miúdos, e dezenas de milhares recusam-se a ir á escola, por causa dessas acções em nome da uniformidade do Japão. O aspecto positivo é que produção clássica e massificada de alta qualidade é com os japoneses! Veja a qualidade da construção e como resistiu ao terramoto, mesmo o edifício da Central de Fukushima resistiu bem.
O problema é quando há que inovar subitamente ou com ainda pouca experiência. Aí os japoneses são um “susto”! Uma das razões dos desastres com os Toyota e Mitsubishi foi que, para manterem custos competitivos, recorreram a matérias primas mais baratas. Ora, materiais diferentes requerem algumas “mexidas” no Manual e provavelmente não houve tempo para elas... A organização e preparação técnica dos japoneses para lidar com os desastres naturais é muito boa, mas estes são imprevisíveis no tempo, na força e na forma, pelo que a capacidade de resolver problemas out of the book, rapidamente, com criatividade, arriscando, improvisando, desenrascando é também essencial. Em Fukushima, a seguir ao tsunami, os japoneses estiveram 2 dias (!) sem saber o que fazer e sem fazerem nada! Ora, nos últimos 20 anos houve vários desastres nucleares no Japão. Embora de dimensão menor, não aprenderam nada?!
Quando em Março o Comissário Europeu Günther Oettinger (o mesmo das bandeiras a meia-haste) falou em apocalipse e chamou incompetentes aos japoneses, insurgi-me nos jornais contra ele. Hoje, sinto-me envergonhado mas sem força para lhe pedir desculpa. Ele estava certo! Os japoneses revelaram uma incompetência sem palavras no projecto nuclear de Fukushima, nas vistorias e manutenção, e depois no lidar com o problema. Como sabe aqui no Japão, pensar em coisas más ou desenhar um cenário apocaliptico não se faz porque dá azar. Mas quem pensa assim não pode ter nas mãos coisas muito perigosas, por exemplo Centrais Nucleares... O terramoto e o tsunami foram fortes, mas este é um país de terramotos e tsunamis! Ainda nos anos 60 houve um no mesmo sítio. E terramotos de dimensão semelhante há por aqui ou por ali no Japão dois ou três por década. Porque é que não se prepararam?
Um abraço, espero que ainda não radioactivo, do ABB
Uma vez mais, obrigadíssimo por aqui partilhar tão importante testemunho. Tanto que haveria da minha parte a comentar e que, receio, me escape.
Antes de mais, não fazia a menor ideia que a situação em Kanto e suas proximidades fosse meritória de tamanhos receios — ia empregar a palavra 'alarmismo', mas pensando melhor não me parece que seja um termo correcto usar, face ao que me descreve com tamanho conhecimento de causa. Relativamente ao nuclear e seu futuro, e em especial no que concerne ao Japão, confesso que partilho de uma opinião algo dúbia: por um lado, e em particular no que a Fukushima se refere, a recente catástrofe de Março trouxe o que de pior haveria a recear, literalmente, à superfície e passou a assolar a vida concreta das pessoas como o António Burnay Bastos e todos quantos lhe são próximos — trata-se de uma experiência tremenda para todos nós que neste país residimos e aqui nossa vidas levamos e ganhamos, inclusive para aqueles que como eu e meus familiares, se encontram relativamente afastados das zonas de pior impacto do desastre — confesso que não estava devidamente inteirado da gravidade da situação em Shizuoka, por exemplo, que enquanto região situada mais a Sul sugeriria estar mais resguardada do pior —; por outro lado, dizia, não consigo imaginar um país com as necessidades energéticas do Japão, virtude das suas dimensões económicas e demográficas, abdicar, assim, de um momento para o outro da capacidade de produção energética das suas 18 ou 19 centrais nucleares. A este respeito, dei comigo há algum tempo a pensar numa notícia que corria por altura da chegada do Minshuto ao poder governativo, há pouco mais de 2 anos, que referia a suspensão por parte do governo então encabeçado por Hatoyama, e em nome de uma urgente contenção da dívida pública, da atribuição de fundos destinados a cerca de 99 projectos de construção de barragens com propósitos vários, incluindo projecções para produção hidroeléctrica, o que na altura me pareceu um número absolutamente insólito em matéria de obras públicas, mesmo para um país tão (aparentemente) próspero e dinâmico como o Japão — a propósito, eu estou por cá desde há pouco mais de 3 anos (desde Junho de 2008) — e só entretanto me apercebi da dimensão do sector das obras públicas nesta terra — já lá vamos... — mas, realmente, na posse dos conhecimentos que temos hoje e em face do desastre de Março e conclusões que dele tiramos, se calhar 99 ou muitas mais centrais hidroeléctricas, caso fosse possível tê-las já a laborar, viriam mesmo a calhar e o esforço da respectiva implementação seria de aplaudir.
Tornando agora à questão dos dispêndios em sede de obras públicas neste país, este é provavelmente o domínio que mais me impressionou negativamente desde que comecei a investigar mais a fundo a realidade deste país — aeroportos em tudo quanto é cidadezita de 2ª importância — só aqui 'em baixo', em Kyushu a situação chega a ser anedótica com aeroportos em Kita Kyushu (Fukuoka-ken) além do de Fukuoka/Hakata, Saga, Kumamoto, Nagasaki... —, estradas e viadutos do melhor que há a ligar parte-alguma a nenhures, estruturas portuárias de 1ª classe em qualquer lugarejo, projectos de todo o tipo a implementar em áreas em terra reclamada — áreas que em si mesmas e enquanto projectos classificados como de interesse público são verdadeiros 'buracos-negros' de fundos públicos (temos vários só aqui em Fukuoka), tudo estruturas que exigem enormes meios destinados à sua pur'e simples manutenção e só para dar alguns exemplos, e a impressão com que se fica é a de estarmos perante uma sociedade terrivelmente 'mimada', que se habituou, décadas antes, a viver com dinheiro a mais e entretanto não percebeu ou recusou-se a perceber que a situação mudara e que estava agora a viver muitíssimo acima das suas possibilidades e reais necessidades. E tomando este domínio da vida nacional como uma posível 'ponta do icebergue', não causa estranheza que as contas públicas neste país tenham chegado aos números desvairados a que, aqui no TLNBJ e noutros espaços, vez por outra faço referência.
Contudo, são muitos aspectos francamente positivos que continuo a assinalar com espanto em vários domínios desta sociedade que nos acolhe. Sucinta, e sem elencar exaustivamente:
1. Surpreende-me, ainda hoje, e muito positivamente, a qualidade dos serviços públicos e privados neste país. Em particular no que ao sector público se refere, não tenho mais pequenina razão de queixa — talvez o facto de Fukuoka ser uma cidade sobremaneira mais pequena e humana e estruturalmente mais funcional que Tóquio ou Osaka, faça neste aspecto alguma diferença —, praticamnte sempre atendido com a máxima prontidão e solicitude, todo e qualquer documento a obter, é via de regra submetido a procedimentos administrativos simples, práticos, expeditos e é recebido em tempo recorde. A título de exemplo: fiquei surpreendidíssimo, positivamente pasmado mesmo, quando em final de Março último, e a um mês de renovar a carta de condução, recebi esta missiva em casa, marcando data e hora para o respectivo procedimento administrativo, prevendo o numero de horas exactas que iria levar a obtenção do documento em causa — "o Senhor deverá apresentar-se às X horas no local Y, e pelas 15:30 terá seu documento pronto (e cumpriram à risca!) — e tudo isto para um Domingo! Ora para quem, como eu, durante quase 12 anos trabalhou como funcionário num certo sector da kafkiana administração pública da República Portuguesa, isto nem no Céu seria possível.
2. Continuo a identificar a sociedade Nipónica como uma das mais estáveis, seguras e pacíficas do planeta. Ainda que possamos aqui e ali receber sinais de que a situação se tem vindo a deteriorar um pouco por toda a parte, comparando com a generalidade das sociedades ocidentais, isto continua a ser um quase-paraíso. E este é um domínio onde me sinto particularmente seguro para falar. A este respeito ia aqui e agora contar uma história engraçada que se passou há menos de 2 anos, se a memória me não falha, aqui em Hakata, mas irei reserva-la para outra altura ...
3. Não obstante estar a par da gravidade de certas situações no sistema educativo nacional, referidos pelo ABB, e não lhes negando a preocupação que merecem, apesar de tudo continuo a preferir francamente as bases educativas deste sistema e por comparação com o descalabro geral que vimos assistindo a Ocidente, e não apenas no que a Portugal se refere. Questão de valores pessoais é certo, mas prefiro um sistema educativo onde valores de ordem e disciplina são postos acima de tudo o mais. Admitindo que situações como as que o ABB acima refere a respeito deste tema, possam roçar o insano e o grotesco, ainda assim eu prefiro um sistema de ensino que põe a miudagem a varrer as salas de aula e os corredores das escolas, a perfilar na presença de professores e dirigentes escolares e que simultaneamente continua a oferecer aos miúdos condições absolutamente excepcionais para a prática de todo o tipo de actividades educativas ou extra-curriculares como mais nenhum outro país no Mundo proporciona aos seus. Digo-lo uma vez mais, trata-se de uma questão de credo pessoal numa certa escala de valores.
4. O Japão é reconhecidamente um país de 'extremos', onde pontificam todo o tipo de aparentes paradoxos culturais, sociais, etc., ex.: vanguardismo arquitectónico e urbanistico vs. cuidado extremo na preservação e renovação do património imobiliário nacional de especial valor histórico-cultural-religioso, etc.; progresso técnico-económico de 1ª linha vs. inúmeras actividades produtivas que não mudam métodos ou conceitos literalmente há séculos!; infantilismo social vs. profundidade cultural (alienação juvenil, consumo compulsivo do supérfluo e do fútil por contraste com a profundidade e sagacidade dos valores inerentes a inúmeras instituições culturais de enorme importância); materialismo consumista vs. espiritualidade ancestral; apetência pelo novo vs. devoção pelo antigo, etc. — porém, em geral, permanece, para mim, como uma sociedade estranhamente bem mais estável e equilibrada que todas as demais que me ocorrem a mente e agora... A esse respeito não será despiciendo o sucesso de políticas económicas, sociais e culturais de há 50, 40, 30 anos atrás, e que, não obstante a erosão a que entretanto foram expostas, provaram ser de efeito duradoiro. Até quando? Só o futuro o dirá.
Um imenso prazer contar com o precioso contributo do ABB. Uma imensa alegria tê-lo aqui e partilhar consigo este espaço e estas visões.
Oh God! O que eu aprendi aqui! lamentavelmente o meu imaginário vê ainda um Japão cerimonioso. Um Japão cheio de etiquetas e de ritos. Como os sonhos são sempre mais belos que a realidade... :( Uma pequena história de um encontro entre um cientista europeu e um nipónico, diz respeito à troca de cartões de visita. Foi há poucos dias, congratulei-me por ainda subsistir a ancestral cultura japonesa. Duas culturas vêm desse mundo, a da "manga", actual, consumista... e a tradicional, talvez numa geração mais antiga. Desejo que o Japão não perca o sol nascente. Abraço, Nan Ban Jin
"Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma", não é assim Querida Ana? A velha Lei de Lavoisier, da conservação das massas, aplica-se em pleno a este belo país. Só isso. Está lá tudo. Tudo quanto nele sempre reconhecemos de belo e de grotesco, subsiste e manifesta-se. Apenas se acha submetido a uma permanente metamorfose. Só isso.
LFA, muito obrigado pelo seu feed-back e pelo estímulo à troca de pontos de vista. Tanta coisa há para falar. Deixe-me começar pelo Nuclear e Radioactividade.
Estou de facto preocupado. A Comunicação Social (CS) fala pouco disto, pode até dizer-se que não fala nada. Mas sabe que, embora havendo liberdade de expressão, a Imprensa recebe a informação das agências oficiais e estas só dizem o que é politicamente correcto. E quem disser hoje algo não oficial fica bloqueado no acesso á informação e amanhã não tem notícias para dar. E não há jornalistas independentes no Japão. Ninguém lhes dá emprego nem recebe as suas reportagens. Repare que principais notícias dos jornais e dos telejornais são mais ou menos iguais. E como há anos atrás dizia uma amigo meu japonês (aí de Nagasaki) “os jornais japoneses não têm conteúdo”. Todavia, isto não é uma ditadura e não há censura oficial, pelo que a verdade acaba por vir à tona mas conseguem que seja sempre aos bocadinhos e tarde. Ou porque se criou pânico no país, como a carne muito radioactiva que foi descoberta à venda em toda a ilha de Honshu (e não sei se em Kyushu também), ou porque os protestos de cidadãos por causa da descoberta de mentiras ou omissões oficiais os deixa irritadíssimos, ou porque alguém “importante” da TEPCO, do Governo, advisers do Governo ou decanos das Universidades decidem “dar com a língua nos dentes” ou pedir perdão por alguma mentira que disseram, informação que esconderam ou incompetência que efectuaram. E há a IAEA que desde Março “ralha” todos os dias com as autoridades japonesas quando, de vez em quando, as não “arrasa”.
Muitos meios de CS portugueses telefonaram-me no dia 11 de Março. O primeiro foi a TVI, deviam ser talvez 4 da tarde (o terramoto foi um bocadinho antes das 3). Depois de 2 ou 3 perguntas de circunstância, é-me perguntado se a principal preocupação são as Centrais Nucleares (CNuc). Falaram-me de Fukushima, Onagawa e Tokai. Fiquei atrapalhado porque era um directo (penso que para o jornal da manhã) e não sabia de absolutamente nada. Iamos seguindo notícias pela TV e, de vez em quando fugindo para a rua onde falavamos com pessoas, mas ainda não havia nenhuma notícia sobre as CNuc. No entanto, passada 1 hora do terramoto, a informação já percorria o mundo, até em Portugal essa era a preocupação central. Ao longo do dia, outros orgãos de CS portugueses e franceses telefonaram-me e era invariável a pergunta sobre as CNuc. Pois só perto da meia-noite (!) há informação na CS japonesa...
Moro em Ota-ku que é a zona mais contaminada de Tóquio. Aqui há vizinhos que usam dosímetros e alertam-nos em certos dias com valores mais altos. É revelador de grande preocupação porque, como sabe, os japoneses são muito comedidos a falar do “mal”. O Saramago dizia que “o que faz andar o mundo são as conversas das mulheres e os sonhos dos homens”. As conversas das mulheres (e dos homens também) são a fonte de informação mais fiável. Nomeadamente em Kanto e Tohoku, conheço gente e tenho contactos profissionais com restaurantes e supermercados – fonte extraordinária de “informação do terreno” – pelo que vou sabendo de coisas que a conta-gotas e tarde vão sendo divulgadas pelos jornais. Portanto eram verdade!
Porque é que a CS hoje (daqui a uns anos vai ter que falar e muito) não fala da radioactividade? 1- Porque a situação também é má na Grande Tóquio que tem uma população e um parque industrial gigantescos. “Encerrar” é impensável pelas consequências imediatas para o Japão. LFA, para os japoneses, os japoneses não têm importância nenhuma! O que tem a importância toda é o Japão! Por outro lado, Tóquio é a capital e falar-se de perigo aqui seria afastar os estrangeiros e o investimento estrangeiro do Japão, o que aceleraria a incompetitividade do Japão face à China, a Taiwan, à Índia e à Coreia. Portanto, é melhor não falar de radioactividade. 2- Porque o negócio das CNuc mexe com somas astronómicas de dinheiro e o Japão é um dos principais exportadores de CNuc. É uma indústria de altíssima tecnologia e das poucas onde o Japão ainda tem importância. Ora, falar de radioactividade, seria falar do acidente de Fukushima, e portanto falar de incompetência que foi a causa do acidente. Ora, ser incompetente não ajuda à exportação. Esta é uma das razões porque a imprensa conservadora como o Yomiuri, a Nippon TV ou a Fuji TV, apoiados (de facto) pelas grandes empresas e pelo Keidanren (com aquela figura sinistra do Yonekura) fazem uma campanha brutal pela reabertura das CNuc com o argumento de que a indústria sofre com os cortes de electricidade (não houve nenhuns cortes!) e que a electricidade do nuclear é mais barata que a das barragens ou centrais termo-eléctricas (é verdade se não forem contabilizados os custos dos acidentes e a saúde das pessoas). E, ainda outro argumento, este arrepiante. Como nos anos 60 o Japão foi autorizado a utilizar plutónio enriquecido, sendo necessário pode produzir bombas atómicas. Este argumento é arrepiante sabendo nós do carácter bélico dos japoneses, das disputas que têm com Chineses, Russos e Coreanos, da situação de perda de importância (coisa inadmissível na cabeça de um japonês) perante estes países e dos tempos de guerra económica que aí vêm. O LFA afirma que os japoneses são pacíficos, mas permita-me discurdar de si: são altamente bélicos, sempre o foram ao longo da história, porque teriam deixado de o ser? E quem faz os ataques de Vladivostok (1904) e de Pearl Harbour (1941), é capaz de tudo. O Ishihara, governador de Tóquio, por quem eu até nutro alguma simpatia, afirma “só se estivessemos tolos é que avisavamos russos ou americanos que iamos entrar em guerra com eles”. Nunca fiando... 3- Porque a TEPCO é uma empresa poderosíssima e os seus dirigentes, como em tantas empresas grandes, vieram do Governo ou de Ministérios aos quais permanecem ligados. Repare quem autoriza as CNuc é o Ministério da Economia, que nomeia ou recomenda para Presidente e Administradores alguns dos seus altos funcionários, que são inspeccionados ou controlados por outros altos funcionários do Ministério. Colegas de Ministério ao longo de anos que ficam com novas funções: eu dou as autorizações, tu geres, ele inspecciona e dá o ok! Ah, e amanhã vou-te apresentar o director do jornal X ou o Presidente da televisão Y que nos adoram porque a nossa publicidade e donativos, bem como as das empresas do nossos grupo e os bancos e fornecedores a que estamos ligados são metade das receitas deles. Eu não sei se o compadrio e corrupção aqui não serão muitos maiores do que em Portugal. Falaremos do Amakudari e da importância dos burocratas noutro dia (que se não o LFA “corre” com os meus comentários do blogue por causa da extensão...) mas friso um ponto: falar da radioactividade, leva a falar da TEPCO, falar da TECO leva a falar da incompetência da gestão e da forma como os gestores lá foram parar, falar de amakudari, incompetência e impunidade, leva a falar de muitas outras empresas gigantes para além da TEPCO, falar disto é impensável na CS. Nem a CS (nem a Yakusa) nunca o permitiriam, portanto o melhor é a CS fazer de conta que está tudo normal...
4- Porque o Japão recebeu a destruição provocada com o terramoto e o tsunami como uma vergonha nacional. É difícil de explicar o porquê, mas é o que sinto. Eu até acho que seria um motivo de orgulho a forma como os edifícios resistiram. Não fosse a radioactividade, a reconstrução estaria a andar e os japoneses teriam energia positiva. Na cultura japonesa, o Japão é o país dos deuses. Os japoneses são da família de Deus, acham-se por isso um povo único (é mais do que nº1). Ter-se-ão sentido abandonados pela família e têm vergonha por isso? Ou simplesmente a vergonha de mostrar uma fraqueza, uma falha? Não consigo explicar de outro modo as dezenas (ou centenas) de recusas em aceitar ajuda internacional, mesmo perante rupturas de stock de água, alimentos, medicamentos, médicos, equipas de salvamento, etc. Nunca eu havia visto tantos anúncios a puxar ao orgulho nacional como desde Março e ainda hoje. Como se este desastre natural tivesse minado o acreditar dos japoneses em si próprios e no Japão, tivesse posta em causa que são os melhores do mundo, como se não havendo estímulo os japoneses não queiram olhar para o amanhã. O LFA não nota um crescimento de publicidade nacionalista, que muitas vezes parece exagerada ou despropositada? Claro que falar em radioactividade, leva a falar do terramoto. E os japoneses não gostam de falar disso.
O Japão é muito centrado em si próprio. Ainda agora, na semana passada, houve Champoins League e nos noticiários desportivos aparecem os resultados mas quase só passaram resumos dos jogos com imagens dos clubes onde alinham japoneses e quase únicamente jogadas do japonês. Às vezes lá aparece a jogada de um colega de equipa se tiver dado golo, mas jogadas do adversário são raras mesmo que a equipa do japonês tenha perdido 4-0. Japoneses ou então famosos: no 2-2 do Barcelona-ACMilan mostraram os golos do Barcelona. Isto é Japão...
Como dizia um guru do marketing “peço desculpa por ter escrito tanto, mas não tive tempo para escrever menos”. Um grande abraço desde Tóquio Antonio Burnay Bastos
Muitíssimo obrigado, uma vez mais, por esta preciosa intervenção .
Devo dizer que nem por sombras esperava que um 'post' tão modesto como este — que será provavelmente o mais simplório, pobrezinho e despretencioso que aqui devo ter afixado desde a estreia do blogue! — desse lugar a tão acesa troca de impressões!
Ontem, Keio-No-Hi, dia feriado, pus-me aqui e pela tarde e noite adentro a redigir e ultimar o 'post' que se segue — bastante mais leve, arejado e agradável que a maioria dos últimos artigos que aqui tenho escrito ultimamente, assim creio — e nem me apercebi, com o passar das horas, que me dera a honra de aqui depor mais este extenso rol de apreciações, que tanto tenho a saudar. Imagine a minha surpresa (e angústia) quando já tarde e más-horas me apercebo que era mais uma vez chamado a intervir nesta conversa! Ahah. ☺
De salientar que em geral, muito aprecio, retenho e me revejo nas opiniões que o António acima partilha. Tanto que haveria a comentar da minha parte, tanto que fica ainda assim por dizer...
Apenas um esclarecimento: eu nunca disse que considero os Japoneses especialmente pacíficos (bem, bem! pelo contrário!... e já lá vamos...)— disse antes sim, que considero a sociedade japonesa 'pacífica', no sentido de tranquila, estável, sobremaneira (nunca por completo, como é óbvio!) isenta de delito comum gerador de especial alarme social — não há por cá, tanto quanto dêmos por ela, 'gehttos', 'slums', aqueles lugares 'ali' "onde a polícia nem sequer vai" e "onde é perigoso ir à noite" e onde se transacciona droga e armas e outras substâncias ilícitas a céu aberto com toda a gente a fazer de conta que ali não se passa nada (acho um absoluto e ridículo exagero da parte de certas pessoas de certas tendências políticas de cá, chamarem 'slum' a zonas como Nishinari em Osaka, por exemplo — por amor de Deus! Mas esta gente sabe, ao menos, o que a palavra 'slum' realmente significa e invoca??). Em geral a sociedade japonesa é muito mais segura e tranquila para o comum dos mortais que a quase generalidade das demais sociedade sindustrializadas, é isso que eu afirmo, e em especial referência a uma certa vida de rua quotidiana, em plena praça pública, não restem dúvidas a esse respeito! E apesar de já ter sido muito ,mas muito melhor, segundo dizem (alguns) entendidos (matéria para outra conversa).
Mas o sentimento (empíricamente retido, é certo) de tranquilidade e segurança que transparece um pouco por toda a parte neste país, não deve ser confundido com sentimentos e características muito reais deste povo, e que o António bem refere — não podia, aliás, concordar mais consigo e a esse respeito! Coisa muito diferente é o facto de Povo de Yamato ser, sem dúvida alguma!, dos mais belicosos, agressivos e sanguinários que alguma vez existiu ao cimo da Terra — ainda que não gostem nada de o reconhecer (sobretudo fora de contextos em que o possam afirmar abertamente...) e apesar de fazerem questão em debitar regularmente a tal ladainha estéril e cínica "do desejo sincero de Paz no Mundo, e em nome dum melhor entendimento entre os povos..." etc., etc. que se obrigam a repetir por tudo e por nada seja em cerimónias oficiais, seja em encontros estudantis, uma hipócrisia total — mas esta é também uma matéria que muito me diz e que, confesso, tenho desde há algum tempo muita vontade de aqui abordar e desenvolver com mais profundidade, no blogue; vamos, pois, se me permite, deixa-la para outra altura...
Ainda a este respeito, lembrar, se me permite Caro ABB, que este seu amigo é Kenshi (praticante de Kendo), instrui miúdos pequenos na modalidade, sob a tutela e orientação dos seus Mestres de Dojo, e lida regularmente com o lado mais abertamente agressivo, ferozmente aguerrido e mesmo assustador do homem Nipónico — devo dizer aliás, que para quem como eu não foi sujeito ao cumprimento de serviço militar, a vida num 'kendojo', com a sua rígida hierarquia, disciplina espartana, constante exortar de uma certa agressividade e exigência de superação física e mental, pode ser a experiência mais próxima da tropa que alguma vez viverá... Já no que se refere a certo um 'racismo Japonês', pessoalmente, vejo-o, no mais dos casos em que se manifesta, como algo de tão infantil e invertebrado na respectiva argumentação que chega a ser cândido... cómico mesmo! Mas nunca subestimando, claro...
No demais, e no que à sociedade feita nas ruas se refere, a violência real e digna de receio no Japão, parece continuar a ser um quase exclusivo da Yakusa, e muito limitada ao sub-mundo especialmente privado, sob a sua alçada. Os próprios Uyoku-Dantai por muito assustadores que queiram parecer — e, bem sabemos, no mais dos casos com ligações à Yakusa —, chegam a inspirar dó de tão irrelevantes que conseguem ser na sua imensa dispersão de tendências, e não parece haver seja quem for no seu pleno juízo que leve essa gente a sério ou lhes dê sequer dois minutos de atenção. Mas também quero, num futuro próximo desenvolver mais a fundo este tema.
Um imenso obrigado, uma vez mais! Forte Abraço do Sul,
Não tem o LFA que se justificar. Eu é que tenho de pedir-lhe desculpa por escrever comentários demasiado longos, que tem a amabilidade de dizer que são interessantes, mas que na realidade podem tornar-se maçadores para os leitores e até maus para o blogue se inibirem alguém de postar. Vou ter mais cuidado em ser sintético.
O problema de atingir a síntese é que ela requer que o objectivo seja claro e as ideias estejam muito bem arrumadas. Ora, quando me tocam no “botão Japão” não só tenho imenso que quero dizer, como a própria natureza dicotómica dos comportamentos dos japoneses em quase tudo e as surpresas frequentemente provocadas pela sua maneira de pensar, provocam “robobinações” frequentes nos meus julgamentos, nunca mais se conseguindos atingir conclusões que nos pareçam definitivas.
Por favor não pense de outro modo, eu gosto muito do Japão, não me sinto no estrangeiro aqui. É por isso e porque, embora relativamente integrado, tenho uma visão ocidental que me permite uma perspectiva diferente da dos japoneses, que me preocupo tanto com o estado do país e com o caminho que está a seguir. Às vezes alguns japoneses comentam-me a situação financeira de Portugal e respondo-lhes “dada a história de Portugal e a personalidade dos portugueses, é muito maior a probabilidade de sobrevivência de Portugal do que do Japão”. Os japoneses estão habituados a tratar os estrangeiros de cima para baixo, e se o estrangeiro não for branco ou de um país “ocidental” ou se vier de um país “ferido” (como Portugal está agora), então tratam-no na vertical. Nessas ocasiões, dá-me um “gozo” imenso mostrar-lhes que conheço bem o Japão e os japoneses, e falando-lhes em japonês com um sorriso nos lábios e argumentos a que terão dificuldade em ripostar, tratá-los a eles de cima para baixo. No Japão não conta a amizade! A amizade não existe. O que conta aqui é o respeito e o medo. Os empresários e diplomatas portugueses é que ainda não entenderam isto na sua relação com o Japão (e com outros países também).
LFA, está a ver?! Até para lhe pedir desculpa pela extensão do texto, escrevo um texto extenso! Peço desculpa a si e a todos os que tiveram a paciência de ler isto. Um abraço
Eu é que tenho muito, mesmo muito, a agradecer, do coração, esta longa 'conversa' que aqui vai! É um verdadeiro privilégio receber aqui os seus comentários, observações, opiniões, pontos de vista, informações, por mais extensas que sejam (eu, da minha parte, leio tudo quanto aqui escreve com o maior agrado e atenção, sinceramente) e tudo o mais que tenha a oferecer da sua vasta vivência e experiência pessoal no Japão, como Português há muito estabelecido neste país que tão poucos dos nossos compatriotas conhecem.
Os comentários que aqui deixou só vêm enriquecer e estimular este espaço, pelo que é uma imensa alegria, para mim, poder contar com este seu impagável contributo — tenha ele a extensão que tiver. Suponho que a maioria dos leitores deste blogue são Portugueses como nós, suponho também que na maioria dos casos serão pessoas com um forte interesse no Japão e na Ásia — e este blogue é escrito em 1º lugar para eles —, pelo que é motivo de grande orgulho para mim, o poder contar aqui com um manancial tão rico de informações e observações como as que ABB aqui deixou, e que eu, no melhor dos meus méritos e ao serviço deste espaço, jamais poderia ter aqui trazido.
Um comentário/agradecimento final e muito pessoal que aqui quero deixar: um sentido obrigado, em particular, por este 3º/penúltimo parágrafo deste seu último comentário — nem faz ideia do quanto ele me diz de tão certeiras e acutilantes que conseguem ser as suas palavras a respeito do que afirma. É que é tudo tão verdade, valha-me Deus! Eu até tive que ler várias vezes só para apreciar o este ponto de vista com o qual me identifico tanto. Está lá tudo. "No Japão não conta a amizade! A amizade não existe. O que conta aqui é o respeito e o medo. Os empresários e diplomatas portugueses é que ainda não entenderam isto na sua relação com o Japão (e com outros países também)." - se soubesse o quanto isto para mim invoca de verdadeiro e de assustador e me atravessa a vida de todos os dias! É verdade... Só receio discordar consigo num ponto — não creio que Portugal tenha mais chances de resistir a provações do tempo que este sofrido Nipão: a Pátria, a quem tão bem quero, vejo-o hoje como um corpo exausto, caído, prostrado, ali à beira do mar silente e a quem já nem os cães temem ou respeitam, a carcaça escancarada de um naufrágio dado à praia... é triste, mas parece cada vez mais um país em vias de extinção... Já dele escrevia O'Neill em '65,
"Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, golpe até ao osso, fome sem entretém, perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, rocim engraxado, feira cabisbaixa, meu remorso, meu remorso de todos nós..."
Luís Filipe Afonso,
ResponderEliminarComo sabe também gosto do Japão e estou ligado a esta terra, preocupando-me com ela. Ora, o Japão está a caminhar mal, ou então a revelar-se como eu teimava em não o ver. Não sei... “Quem feio ama bonito acha” diz o povo. De facto a Nipofilia, e o gosto pelo Extremo-Oriente permite-nos tolerar alegremente o que nunca tolerariamos na Europa.
Dia 11, o Luís Filipe dizia num comentário que "A Vitória é certa... levará o seu tempo, é certo, mas o Japão possui uma capacidade de regeneração como mais nenhum outro país no Mundo se pode gabar.” Eu hoje já não estou tão certo...
O que me está a preocupar no Japão 6 meses após o terramoto:
- Ausência de solidariedade; corrupção e mediocridade política; roubos e criminalidade nas zonas afectadas; bullying a pessoas dessas zonas.
- Incompetência técnica generalizada e impunidade. Pensei que os erros técnicos nos Toyota e Mitsubishi ao provocarem mortes em vários países fossem o limite e fossem uma lição - estava enganado!
- Níveis perigosos de radioactividade e que vão durar anos. Tal como há 50 anos aconteceu aí em Kumamoto com a “minamata” provocada por descargas fabris de mercúrio no mar que contaminaram peixe e marisco, provocando 3.000 mortos e dezenas de milhares de afectados. A Empresa, com o OK do governo, encarregou a Yakusa de ameaçar quem se mostrasse mais destemido e de controlar a Comunicação Social. Só há poucos anos, as Autoridades reconheceram a culpa da Empresa, apresentando desculpas formais e pagando algumas indemnizações aos preços dos anos 60! Daqui a anos haverá um pedido de desculpas e indemnizações às vítimas da radioactividade, muitas das quais já terão morrido ou contraído doenças irreversíveis. É assustadora a quantidade de informação ocultada, as mentiras (porque se vem a saber depois, e é-nos comunicado nas TVs com o ar infantil de quem lamenta que se enganou...) e o descuido com o perigo, sem preocupação sequer com a cadeia alimentar. Os níveis são demasiado elevados na terra, ar, agricultura, cidades e mar, não só em Fukushima, mas em Kanto, incluíndo Tóquio. Isto vai ter consequências na saúde, autoestima e imagem dos japoneses! E os políticos e a Comunicação Social, mesmo calando, sabem bem disso!
- Internacionalmente, o Japão começa a tornar-se irrelevante comercial, tecnológica, política e militarmente. A indústria japonesa já é incompetitiva. A solução está nos serviços e na tecnologia de ponta. Mas os serviços japoneses são, provavelmente, os piores da OCDE (e nem me refiro à Banca que está atrasada talvez 20 anos em relação á europeia), e inovação requer criatividade. Ora criatividade é coisa proibida no Japão nas escolas e empresas. Se um designer da Toyota, por exemplo, for brilhante dizem-lhe ”vai trabalhar para a uma das nossa fábricas nos EUA ou na Europa e não voltes”. É necessário mudar a escola, mas que implicações isso terá na cultura japonesa e, portanto, no Japão?
- Xenofobia e nacionalismo crescentes que são preocupantes num povo, de per si, de natureza bélica. Um japonês sozinho é uma “jóia”, mas eles são educados para obedecer e em grupo não tem cérebro nem coração, podendo tornar-se perigosos. A 2ª guerra, bem como as barbaridades que comenteram na China, na Coreia, nas Filipinas e na Indonésia que o digam... Um dos argumentos do Yomiuri e da NTV favoráveis ao Nuclear e visando reabrir o mais rapidamente possível as tantas Centrais que hoje estão fechadas, é que o Japão foi autorizado nos anos 60 (plena guerra fria) a utilizar putónio (internacionalmente raro) que é o produto das bombas nucleares e, portanto, dissuasor... Isto é arrepiante!
Infelizmente, tenho que dizer que não estou optimista com o futuro do Japão.
Se estiver interessado posso desenvolver estes pontos. Se leu tudo isto até aqui, bem-haja pela sua paciência.
Desde Tóquio, um abraço do
Antonio Burnay Bastos
Estimado Dr. Burnay Bastos:
ResponderEliminarMuito agradeço o seu comentário e atenção.
Está cá há muitos mais anos do que eu, conhece certamente a realidade nacional muito melhor do que eu e muito tenho a saudar o seu contributo para melhor entender as questões que aqui e agora levanta e outras mais.
Eu confesso que também já fui bem mais optimista e confiante em relação à capacidade e exemplo deste país do que sou hoje e muitas vezes levanto a questão se valerá mesmo a pena acreditar no (que ainda aparenta ser o) melhor deste país ou se tudo não passará de uma enorme ilusão.
Em qualquer recurso e tomando o Ocidente em geral por termo de comparação, continuo a achar a realidade aqui, apesar de tudo, bem mais sustentável e digna de confiança. A ver vamos. Só o futuro o dirá.
Mas gostaria muito sim, que, assim tenha disponibilidade nesse sentido, desenvolvesse aqui os seus pontos de vista para podermos comparar informações, experiências e perspectivas quantos aos pontos preocupantes que refere e outros mais que haja de abordar.
Provavelmente, efeito de me achar em Kyushu, longe, bem longe do pior que a Norte vai, sofra de uma certa tendência para me alhear e esquecer do pior, do que realmente de pior haverá a assinalar.
Assim sendo, uma vez mais, muito obrigado.
Um forte Abraço de Hakata,
LFA
Obrigado pela atenção que me dá e simpatia com que me trata, e particularmente agora que são tempos difíceis em Tóquio. Tentamos fazer a vida o mais normal possível, embora os níveis de radioactividade no água da torneira, no ar e no solo o não deixem. Mudámos hábitos, como por exemplo evitar comer e beber fora, por causa da água nos cozinhados, na lavagem das saladas, no café ou chá, etc; em casa usamos água engarrafada (será verdadeira a origem?) e por isso fazemos menos cozeduras, estamos sempre atentos a se o peixe, a carne, a fruta, os legumes, etc não vêm de zonas contaminadas (sobretudo de partes de Fukushima, Miyagi, Ibaraki, Chiba e Shizuoka - pior que Tóquio); evitamos o mais possível estar na rua quando chove, porque a chuva é muito mais radioactiva do que o ar, mas este não podemos deixar de respirar. Enfim, vivendo aqui tem que se fazer a vida o mais normal “possível” e sabemos que todos morreremos um dia, ninguém cá fica...
ResponderEliminarNão sei se estou aqui há mais ou menos anos do que o LFA, mas embora a antiguidade seja um elemento importante da experiência, em meu entender mais importante ainda é a capacidade de crítica decorrente da observação. E este blogue revela experiência. Os japoneses valorizam quase exclusivamente a antiguidade, os ocidentais (e os americanos mais do que os europeus) pouco e às vezes até consideram que não ser novo é um handicap. Certo que me faz confusão ver em Portugal Juízes, membros do Governo, grandes decisores com trinta anos, mas no Japão o topo está quase sempre nas mãos de gente acima dos 55 e que, na maioria, não chegou à posição por mérito técnico, mas por ter revelado obediência aos superiores, se “mexer” bem nos canais da promoção e se rodear de seguidores. É certo que a decisão no Japão é relativamente de equipa, mas nem 8 nem 80.
(cont.)
Os japoneses são muito bons na indústria porque o fabrico faz-se de acordo com manuais e os japoneses são educados para seguirem à risca as instruções. Risca quer dizer 100,0%. Repare que aqui os produtos para cozinhar, por exemplo, têm os minutos (e às vezes os segundos) para cozer, estar no forno, etc. Uma vez comprámos um pacote de spaghetti italiano e não dizia o tempo de cozedura. Que fazer? De repente lembrei-me que talvez estivesse escrito nas letras pequeninas da composição. E lá estava. Havia descrição em talvez 25 línguas e só no espaçozinho em japonês estava o tempo de cozedura, nas outras língua não havia instrução. Dizer a um japonês “mais ou menos” ou “aproximadamente” deixa-o sem saber o que fazer.
ResponderEliminarUma vez, para obter a licença de importação de uma bebida houve um problema porque o PH não podia ser superior a 4. Ora o PH daquela bebida flutua entre 3,6 e 4. Para um burocrata japonês “não poder ser superior a 4” exclui o 4, na cabeça de um ocidental não, tanto mais que naquele intervalo amplo, é mínima a probabilidade de ser 4, e mesmo assim 4 não é superior a 4. Foram meses e meses de obstáculos, levantar de dificuldades e gasto de muito dinheiro em análises (o proteccionismo no Japão não se faz pela lei, mas pela interpretação dos burocratas) pelo que eu estava preste a desistir. Pensei “perdido por 1 perdido por 1000” e expliquei a situação ao produtor na Europa, pedindo-lhe para me reenviar o documento oficial (portanto com a assinatura do Ministério) atestanto que o PH se situava entre 3,6 e 3,999. Entreguei o documento às autoridades japonesas. Estava com medo de me acusassem, ou à empresa, de entregar um documento falso, ou de estar a brincar com eles, mas para meu espanto a reação imediata foi “ah! Assim, sim, agora está tudo bem” e no final desse dia o produto estava licenciado no Japão!
Veja a situação ainda mais ridícula do que aconteceu no túnel de Hokkaido em Maio passado. No meio do túnel começou a aparecer fumo numa carruagem. Foi dado o alerta, o comboio parou imediatamente e foram fechados os semáforos pelo que nenhum outro comboio podia entrar no túnel. No manual de procedimentos diz que o condutor e o factor devem descer à linha para encontrar a fonte do fumo e que se houver fogo devem ser abertas as portas para libertar os passageiros. Como não encontraram fogo e no manual não estava escrito que não encontrando o fogo não têm que abrir as portas, não as abriram! No entanto, os passageiros iam sufucando com fumo e calor. Pediam para abrir as portas. Mas não havia fogo, portanto não tinham que se abrir as portas. Mais de meia hora de sofrimento, houve quase um motim e foram os próprios passageiros, para grande aflição do condutor e do factor que partiram as portas e sairam. Os portugueses talvez tivessem aguentado apenas 5 minutos antes da acção e provavelmente teriam deixado recordações nos funcionários.... Não tenho presente se morreu alguém, mas houve dezenas de feridos, alguns ficaram dias nos Cuidados Intensivos. O processo está em Tribunal e os funcionários não entendem porquê, já que apenas seguiram o Manual. A JR em conferência de imprensa nada mais tem a dizer do que “o Manual tem que ser revisto”. Isto é Japão!
Nos anos 70 houve um avião de guerra americano que era também montado no Japão. Os aviões “japoneses” obtinham persistentemente muito mais horas de vôo por avaria. Uma comissão americana investigou o porquê durante meses e não encontrou explicação, a não ser os japoneses seguirem á risca as instruções de montagem.
(cont.)
Os japoneses são educados desde pequenos na atenção ao detalhe, na obediência estrita, em não fazer nada de diferente. Há escolas que medem a distância que vai da saia à meia nas raparigas, o tamanho da cintura (está no Manual!), muitos professores fomentam que grupos de estudantes façam bullying a quem mostre diferenças, de forma a dissuadir o aparecimento de coisas novas. Qualquer motivo serve: é mais alto, mais gordo, é estrangeiro ou fala bem inglês, a família apareceu na Tv, teve uma opinião diferente, etc. Todos os anos se suicidam 100 a 200 miúdos, e dezenas de milhares recusam-se a ir á escola, por causa dessas acções em nome da uniformidade do Japão. O aspecto positivo é que produção clássica e massificada de alta qualidade é com os japoneses! Veja a qualidade da construção e como resistiu ao terramoto, mesmo o edifício da Central de Fukushima resistiu bem.
ResponderEliminarO problema é quando há que inovar subitamente ou com ainda pouca experiência. Aí os japoneses são um “susto”! Uma das razões dos desastres com os Toyota e Mitsubishi foi que, para manterem custos competitivos, recorreram a matérias primas mais baratas. Ora, materiais diferentes requerem algumas “mexidas” no Manual e provavelmente não houve tempo para elas... A organização e preparação técnica dos japoneses para lidar com os desastres naturais é muito boa, mas estes são imprevisíveis no tempo, na força e na forma, pelo que a capacidade de resolver problemas out of the book, rapidamente, com criatividade, arriscando, improvisando, desenrascando é também essencial. Em Fukushima, a seguir ao tsunami, os japoneses estiveram 2 dias (!) sem saber o que fazer e sem fazerem nada! Ora, nos últimos 20 anos houve vários desastres nucleares no Japão. Embora de dimensão menor, não aprenderam nada?!
Quando em Março o Comissário Europeu Günther Oettinger (o mesmo das bandeiras a meia-haste) falou em apocalipse e chamou incompetentes aos japoneses, insurgi-me nos jornais contra ele. Hoje, sinto-me envergonhado mas sem força para lhe pedir desculpa. Ele estava certo! Os japoneses revelaram uma incompetência sem palavras no projecto nuclear de Fukushima, nas vistorias e manutenção, e depois no lidar com o problema. Como sabe aqui no Japão, pensar em coisas más ou desenhar um cenário apocaliptico não se faz porque dá azar. Mas quem pensa assim não pode ter nas mãos coisas muito perigosas, por exemplo Centrais Nucleares... O terramoto e o tsunami foram fortes, mas este é um país de terramotos e tsunamis! Ainda nos anos 60 houve um no mesmo sítio. E terramotos de dimensão semelhante há por aqui ou por ali no Japão dois ou três por década. Porque é que não se prepararam?
Um abraço, espero que ainda não radioactivo, do
ABB
Caríssimo ABB:
ResponderEliminarUma vez mais, obrigadíssimo por aqui partilhar tão importante testemunho.
Tanto que haveria da minha parte a comentar e que, receio, me escape.
Antes de mais, não fazia a menor ideia que a situação em Kanto e suas proximidades fosse meritória de tamanhos receios — ia empregar a palavra 'alarmismo', mas pensando melhor não me parece que seja um termo correcto usar, face ao que me descreve com tamanho conhecimento de causa.
Relativamente ao nuclear e seu futuro, e em especial no que concerne ao Japão, confesso que partilho de uma opinião algo dúbia: por um lado, e em particular no que a Fukushima se refere, a recente catástrofe de Março trouxe o que de pior haveria a recear, literalmente, à superfície e passou a assolar a vida concreta das pessoas como o António Burnay Bastos e todos quantos lhe são próximos — trata-se de uma experiência tremenda para todos nós que neste país residimos e aqui nossa vidas levamos e ganhamos, inclusive para aqueles que como eu e meus familiares, se encontram relativamente afastados das zonas de pior impacto do desastre — confesso que não estava devidamente inteirado da gravidade da situação em Shizuoka, por exemplo, que enquanto região situada mais a Sul sugeriria estar mais resguardada do pior —; por outro lado, dizia, não consigo imaginar um país com as necessidades energéticas do Japão, virtude das suas dimensões económicas e demográficas, abdicar, assim, de um momento para o outro da capacidade de produção energética das suas 18 ou 19 centrais nucleares.
A este respeito, dei comigo há algum tempo a pensar numa notícia que corria por altura da chegada do Minshuto ao poder governativo, há pouco mais de 2 anos, que referia a suspensão por parte do governo então encabeçado por Hatoyama, e em nome de uma urgente contenção da dívida pública, da atribuição de fundos destinados a cerca de 99 projectos de construção de barragens com propósitos vários, incluindo projecções para produção hidroeléctrica, o que na altura me pareceu um número absolutamente insólito em matéria de obras públicas, mesmo para um país tão (aparentemente) próspero e dinâmico como o Japão — a propósito, eu estou por cá desde há pouco mais de 3 anos (desde Junho de 2008) — e só entretanto me apercebi da dimensão do sector das obras públicas nesta terra — já lá vamos... — mas, realmente, na posse dos conhecimentos que temos hoje e em face do desastre de Março e conclusões que dele tiramos, se calhar 99 ou muitas mais centrais hidroeléctricas, caso fosse possível tê-las já a laborar, viriam mesmo a calhar e o esforço da respectiva implementação seria de aplaudir.
(CONT.)
Tornando agora à questão dos dispêndios em sede de obras públicas neste país, este é provavelmente o domínio que mais me impressionou negativamente desde que comecei a investigar mais a fundo a realidade deste país — aeroportos em tudo quanto é cidadezita de 2ª importância — só aqui 'em baixo', em Kyushu a situação chega a ser anedótica com aeroportos em Kita Kyushu (Fukuoka-ken) além do de Fukuoka/Hakata, Saga, Kumamoto, Nagasaki... —, estradas e viadutos do melhor que há a ligar parte-alguma a nenhures, estruturas portuárias de 1ª classe em qualquer lugarejo, projectos de todo o tipo a implementar em áreas em terra reclamada — áreas que em si mesmas e enquanto projectos classificados como de interesse público são verdadeiros 'buracos-negros' de fundos públicos (temos vários só aqui em Fukuoka), tudo estruturas que exigem enormes meios destinados à sua pur'e simples manutenção e só para dar alguns exemplos, e a impressão com que se fica é a de estarmos perante uma sociedade terrivelmente 'mimada', que se habituou, décadas antes, a viver com dinheiro a mais e entretanto não percebeu ou recusou-se a perceber que a situação mudara e que estava agora a viver muitíssimo acima das suas possibilidades e reais necessidades. E tomando este domínio da vida nacional como uma posível 'ponta do icebergue', não causa estranheza que as contas públicas neste país tenham chegado aos números desvairados a que, aqui no TLNBJ e noutros espaços, vez por outra faço referência.
ResponderEliminar(CONT.)
Contudo, são muitos aspectos francamente positivos que continuo a assinalar com espanto em vários domínios desta sociedade que nos acolhe. Sucinta, e sem elencar exaustivamente:
ResponderEliminar1. Surpreende-me, ainda hoje, e muito positivamente, a qualidade dos serviços públicos e privados neste país. Em particular no que ao sector público se refere, não tenho mais pequenina razão de queixa — talvez o facto de Fukuoka ser uma cidade sobremaneira mais pequena e humana e estruturalmente mais funcional que Tóquio ou Osaka, faça neste aspecto alguma diferença —, praticamnte sempre atendido com a máxima prontidão e solicitude, todo e qualquer documento a obter, é via de regra submetido a procedimentos administrativos simples, práticos, expeditos e é recebido em tempo recorde. A título de exemplo: fiquei surpreendidíssimo, positivamente pasmado mesmo, quando em final de Março último, e a um mês de renovar a carta de condução, recebi esta missiva em casa, marcando data e hora para o respectivo procedimento administrativo, prevendo o numero de horas exactas que iria levar a obtenção do documento em causa — "o Senhor deverá apresentar-se às X horas no local Y, e pelas 15:30 terá seu documento pronto (e cumpriram à risca!) — e tudo isto para um Domingo!
Ora para quem, como eu, durante quase 12 anos trabalhou como funcionário num certo sector da kafkiana administração pública da República Portuguesa, isto nem no Céu seria possível.
2. Continuo a identificar a sociedade Nipónica como uma das mais estáveis, seguras e pacíficas do planeta. Ainda que possamos aqui e ali receber sinais de que a situação se tem vindo a deteriorar um pouco por toda a parte, comparando com a generalidade das sociedades ocidentais, isto continua a ser um quase-paraíso. E este é um domínio onde me sinto particularmente seguro para falar.
A este respeito ia aqui e agora contar uma história engraçada que se passou há menos de 2 anos, se a memória me não falha, aqui em Hakata, mas irei reserva-la para outra altura ...
3. Não obstante estar a par da gravidade de certas situações no sistema educativo nacional, referidos pelo ABB, e não lhes negando a preocupação que merecem, apesar de tudo continuo a preferir francamente as bases educativas deste sistema e por comparação com o descalabro geral que vimos assistindo a Ocidente, e não apenas no que a Portugal se refere. Questão de valores pessoais é certo, mas prefiro um sistema educativo onde valores de ordem e disciplina são postos acima de tudo o mais. Admitindo que situações como as que o ABB acima refere a respeito deste tema, possam roçar o insano e o grotesco, ainda assim eu prefiro um sistema de ensino que põe a miudagem a varrer as salas de aula e os corredores das escolas, a perfilar na presença de professores e dirigentes escolares e que simultaneamente continua a oferecer aos miúdos condições absolutamente excepcionais para a prática de todo o tipo de actividades educativas ou extra-curriculares como mais nenhum outro país no Mundo proporciona aos seus. Digo-lo uma vez mais, trata-se de uma questão de credo pessoal numa certa escala de valores.
(CONT.)
4. O Japão é reconhecidamente um país de 'extremos', onde pontificam todo o tipo de aparentes paradoxos culturais, sociais, etc., ex.: vanguardismo arquitectónico e urbanistico vs. cuidado extremo na preservação e renovação do património imobiliário nacional de especial valor histórico-cultural-religioso, etc.; progresso técnico-económico de 1ª linha vs. inúmeras actividades produtivas que não mudam métodos ou conceitos literalmente há séculos!; infantilismo social vs. profundidade cultural (alienação juvenil, consumo compulsivo do supérfluo e do fútil por contraste com a profundidade e sagacidade dos valores inerentes a inúmeras instituições culturais de enorme importância); materialismo consumista vs. espiritualidade ancestral; apetência pelo novo vs. devoção pelo antigo, etc. — porém, em geral, permanece, para mim, como uma sociedade estranhamente bem mais estável e equilibrada que todas as demais que me ocorrem a mente e agora... A esse respeito não será despiciendo o sucesso de políticas económicas, sociais e culturais de há 50, 40, 30 anos atrás, e que, não obstante a erosão a que entretanto foram expostas, provaram ser de efeito duradoiro. Até quando? Só o futuro o dirá.
ResponderEliminarUm imenso prazer contar com o precioso contributo do ABB.
Uma imensa alegria tê-lo aqui e partilhar consigo este espaço e estas visões.
Um forte abraço amigo de Hakata,
LFA/NBJ
Oh God!
ResponderEliminarO que eu aprendi aqui!
lamentavelmente o meu imaginário vê ainda um Japão cerimonioso. Um Japão cheio de etiquetas e de ritos. Como os sonhos são sempre mais belos que a realidade... :(
Uma pequena história de um encontro entre um cientista europeu e um nipónico, diz respeito à troca de cartões de visita. Foi há poucos dias, congratulei-me por ainda subsistir a ancestral cultura japonesa.
Duas culturas vêm desse mundo, a da "manga", actual, consumista... e a tradicional, talvez numa geração mais antiga.
Desejo que o Japão não perca o sol nascente.
Abraço, Nan Ban Jin
"Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma", não é assim Querida Ana?
ResponderEliminarA velha Lei de Lavoisier, da conservação das massas, aplica-se em pleno a este belo país. Só isso.
Está lá tudo. Tudo quanto nele sempre reconhecemos de belo e de grotesco, subsiste e manifesta-se.
Apenas se acha submetido a uma permanente metamorfose.
Só isso.
Boa semana. Obrigado pela visita.
NBJ
LFA, muito obrigado pelo seu feed-back e pelo estímulo à troca de pontos de vista. Tanta coisa há para falar. Deixe-me começar pelo Nuclear e Radioactividade.
ResponderEliminarEstou de facto preocupado. A Comunicação Social (CS) fala pouco disto, pode até dizer-se que não fala nada. Mas sabe que, embora havendo liberdade de expressão, a Imprensa recebe a informação das agências oficiais e estas só dizem o que é politicamente correcto. E quem disser hoje algo não oficial fica bloqueado no acesso á informação e amanhã não tem notícias para dar. E não há jornalistas independentes no Japão. Ninguém lhes dá emprego nem recebe as suas reportagens. Repare que principais notícias dos jornais e dos telejornais são mais ou menos iguais. E como há anos atrás dizia uma amigo meu japonês (aí de Nagasaki) “os jornais japoneses não têm conteúdo”. Todavia, isto não é uma ditadura e não há censura oficial, pelo que a verdade acaba por vir à tona mas conseguem que seja sempre aos bocadinhos e tarde. Ou porque se criou pânico no país, como a carne muito radioactiva que foi descoberta à venda em toda a ilha de Honshu (e não sei se em Kyushu também), ou porque os protestos de cidadãos por causa da descoberta de mentiras ou omissões oficiais os deixa irritadíssimos, ou porque alguém “importante” da TEPCO, do Governo, advisers do Governo ou decanos das Universidades decidem “dar com a língua nos dentes” ou pedir perdão por alguma mentira que disseram, informação que esconderam ou incompetência que efectuaram. E há a IAEA que desde Março “ralha” todos os dias com as autoridades japonesas quando, de vez em quando, as não “arrasa”.
Muitos meios de CS portugueses telefonaram-me no dia 11 de Março. O primeiro foi a TVI, deviam ser talvez 4 da tarde (o terramoto foi um bocadinho antes das 3). Depois de 2 ou 3 perguntas de circunstância, é-me perguntado se a principal preocupação são as Centrais Nucleares (CNuc). Falaram-me de Fukushima, Onagawa e Tokai. Fiquei atrapalhado porque era um directo (penso que para o jornal da manhã) e não sabia de absolutamente nada. Iamos seguindo notícias pela TV e, de vez em quando fugindo para a rua onde falavamos com pessoas, mas ainda não havia nenhuma notícia sobre as CNuc. No entanto, passada 1 hora do terramoto, a informação já percorria o mundo, até em Portugal essa era a preocupação central. Ao longo do dia, outros orgãos de CS portugueses e franceses telefonaram-me e era invariável a pergunta sobre as CNuc. Pois só perto da meia-noite (!) há informação na CS japonesa...
Moro em Ota-ku que é a zona mais contaminada de Tóquio. Aqui há vizinhos que usam dosímetros e alertam-nos em certos dias com valores mais altos. É revelador de grande preocupação porque, como sabe, os japoneses são muito comedidos a falar do “mal”. O Saramago dizia que “o que faz andar o mundo são as conversas das mulheres e os sonhos dos homens”. As conversas das mulheres (e dos homens também) são a fonte de informação mais fiável. Nomeadamente em Kanto e Tohoku, conheço gente e tenho contactos profissionais com restaurantes e supermercados – fonte extraordinária de “informação do terreno” – pelo que vou sabendo de coisas que a conta-gotas e tarde vão sendo divulgadas pelos jornais. Portanto eram verdade!
(cont.)
Porque é que a CS hoje (daqui a uns anos vai ter que falar e muito) não fala da radioactividade?
ResponderEliminar1- Porque a situação também é má na Grande Tóquio que tem uma população e um parque industrial gigantescos. “Encerrar” é impensável pelas consequências imediatas para o Japão. LFA, para os japoneses, os japoneses não têm importância nenhuma! O que tem a importância toda é o Japão! Por outro lado, Tóquio é a capital e falar-se de perigo aqui seria afastar os estrangeiros e o investimento estrangeiro do Japão, o que aceleraria a incompetitividade do Japão face à China, a Taiwan, à Índia e à Coreia. Portanto, é melhor não falar de radioactividade.
2- Porque o negócio das CNuc mexe com somas astronómicas de dinheiro e o Japão é um dos principais exportadores de CNuc. É uma indústria de altíssima tecnologia e das poucas onde o Japão ainda tem importância. Ora, falar de radioactividade, seria falar do acidente de Fukushima, e portanto falar de incompetência que foi a causa do acidente. Ora, ser incompetente não ajuda à exportação. Esta é uma das razões porque a imprensa conservadora como o Yomiuri, a Nippon TV ou a Fuji TV, apoiados (de facto) pelas grandes empresas e pelo Keidanren (com aquela figura sinistra do Yonekura) fazem uma campanha brutal pela reabertura das CNuc com o argumento de que a indústria sofre com os cortes de electricidade (não houve nenhuns cortes!) e que a electricidade do nuclear é mais barata que a das barragens ou centrais termo-eléctricas (é verdade se não forem contabilizados os custos dos acidentes e a saúde das pessoas). E, ainda outro argumento, este arrepiante. Como nos anos 60 o Japão foi autorizado a utilizar plutónio enriquecido, sendo necessário pode produzir bombas atómicas. Este argumento é arrepiante sabendo nós do carácter bélico dos japoneses, das disputas que têm com Chineses, Russos e Coreanos, da situação de perda de importância (coisa inadmissível na cabeça de um japonês) perante estes países e dos tempos de guerra económica que aí vêm. O LFA afirma que os japoneses são pacíficos, mas permita-me discurdar de si: são altamente bélicos, sempre o foram ao longo da história, porque teriam deixado de o ser? E quem faz os ataques de Vladivostok (1904) e de Pearl Harbour (1941), é capaz de tudo. O Ishihara, governador de Tóquio, por quem eu até nutro alguma simpatia, afirma “só se estivessemos tolos é que avisavamos russos ou americanos que iamos entrar em guerra com eles”. Nunca fiando...
3- Porque a TEPCO é uma empresa poderosíssima e os seus dirigentes, como em tantas empresas grandes, vieram do Governo ou de Ministérios aos quais permanecem ligados. Repare quem autoriza as CNuc é o Ministério da Economia, que nomeia ou recomenda para Presidente e Administradores alguns dos seus altos funcionários, que são inspeccionados ou controlados por outros altos funcionários do Ministério. Colegas de Ministério ao longo de anos que ficam com novas funções: eu dou as autorizações, tu geres, ele inspecciona e dá o ok! Ah, e amanhã vou-te apresentar o director do jornal X ou o Presidente da televisão Y que nos adoram porque a nossa publicidade e donativos, bem como as das empresas do nossos grupo e os bancos e fornecedores a que estamos ligados são metade das receitas deles. Eu não sei se o compadrio e corrupção aqui não serão muitos maiores do que em Portugal. Falaremos do Amakudari e da importância dos burocratas noutro dia (que se não o LFA “corre” com os meus comentários do blogue por causa da extensão...) mas friso um ponto: falar da radioactividade, leva a falar da TEPCO, falar da TECO leva a falar da incompetência da gestão e da forma como os gestores lá foram parar, falar de amakudari, incompetência e impunidade, leva a falar de muitas outras empresas gigantes para além da TEPCO, falar disto é impensável na CS. Nem a CS (nem a Yakusa) nunca o permitiriam, portanto o melhor é a CS fazer de conta que está tudo normal...
(cont.)
4- Porque o Japão recebeu a destruição provocada com o terramoto e o tsunami como uma vergonha nacional. É difícil de explicar o porquê, mas é o que sinto. Eu até acho que seria um motivo de orgulho a forma como os edifícios resistiram. Não fosse a radioactividade, a reconstrução estaria a andar e os japoneses teriam energia positiva. Na cultura japonesa, o Japão é o país dos deuses. Os japoneses são da família de Deus, acham-se por isso um povo único (é mais do que nº1). Ter-se-ão sentido abandonados pela família e têm vergonha por isso? Ou simplesmente a vergonha de mostrar uma fraqueza, uma falha? Não consigo explicar de outro modo as dezenas (ou centenas) de recusas em aceitar ajuda internacional, mesmo perante rupturas de stock de água, alimentos, medicamentos, médicos, equipas de salvamento, etc. Nunca eu havia visto tantos anúncios a puxar ao orgulho nacional como desde Março e ainda hoje. Como se este desastre natural tivesse minado o acreditar dos japoneses em si próprios e no Japão, tivesse posta em causa que são os melhores do mundo, como se não havendo estímulo os japoneses não queiram olhar para o amanhã. O LFA não nota um crescimento de publicidade nacionalista, que muitas vezes parece exagerada ou despropositada? Claro que falar em radioactividade, leva a falar do terramoto. E os japoneses não gostam de falar disso.
ResponderEliminarO Japão é muito centrado em si próprio. Ainda agora, na semana passada, houve Champoins League e nos noticiários desportivos aparecem os resultados mas quase só passaram resumos dos jogos com imagens dos clubes onde alinham japoneses e quase únicamente jogadas do japonês. Às vezes lá aparece a jogada de um colega de equipa se tiver dado golo, mas jogadas do adversário são raras mesmo que a equipa do japonês tenha perdido 4-0. Japoneses ou então famosos: no 2-2 do Barcelona-ACMilan mostraram os golos do Barcelona. Isto é Japão...
Como dizia um guru do marketing “peço desculpa por ter escrito tanto, mas não tive tempo para escrever menos”.
Um grande abraço desde Tóquio
Antonio Burnay Bastos
Meu Caro ABB,
ResponderEliminarMuitíssimo obrigado, uma vez mais, por esta preciosa intervenção .
Devo dizer que nem por sombras esperava que um 'post' tão modesto como este — que será provavelmente o mais simplório, pobrezinho e despretencioso que aqui devo ter afixado desde a estreia do blogue! — desse lugar a tão acesa troca de impressões!
Ontem, Keio-No-Hi, dia feriado, pus-me aqui e pela tarde e noite adentro a redigir e ultimar o 'post' que se segue — bastante mais leve, arejado e agradável que a maioria dos últimos artigos que aqui tenho escrito ultimamente, assim creio — e nem me apercebi, com o passar das horas, que me dera a honra de aqui depor mais este extenso rol de apreciações, que tanto tenho a saudar.
Imagine a minha surpresa (e angústia) quando já tarde e más-horas me apercebo que era mais uma vez chamado a intervir nesta conversa! Ahah. ☺
De salientar que em geral, muito aprecio, retenho e me revejo nas opiniões que o António acima partilha.
Tanto que haveria a comentar da minha parte, tanto que fica ainda assim por dizer...
Apenas um esclarecimento:
ResponderEliminareu nunca disse que considero os Japoneses especialmente pacíficos (bem, bem! pelo contrário!... e já lá vamos...)— disse antes sim, que considero a sociedade japonesa 'pacífica', no sentido de tranquila, estável, sobremaneira (nunca por completo, como é óbvio!) isenta de delito comum gerador de especial alarme social — não há por cá, tanto quanto dêmos por ela, 'gehttos', 'slums', aqueles lugares 'ali' "onde a polícia nem sequer vai" e "onde é perigoso ir à noite" e onde se transacciona droga e armas e outras substâncias ilícitas a céu aberto com toda a gente a fazer de conta que ali não se passa nada (acho um absoluto e ridículo exagero da parte de certas pessoas de certas tendências políticas de cá, chamarem 'slum' a zonas como Nishinari em Osaka, por exemplo — por amor de Deus! Mas esta gente sabe, ao menos, o que a palavra 'slum' realmente significa e invoca??). Em geral a sociedade japonesa é muito mais segura e tranquila para o comum dos mortais que a quase generalidade das demais sociedade sindustrializadas, é isso que eu afirmo, e em especial referência a uma certa vida de rua quotidiana, em plena praça pública, não restem dúvidas a esse respeito! E apesar de já ter sido muito ,mas muito melhor, segundo dizem (alguns) entendidos (matéria para outra conversa).
(CONT.)
Mas o sentimento (empíricamente retido, é certo) de tranquilidade e segurança que transparece um pouco por toda a parte neste país, não deve ser confundido com sentimentos e características muito reais deste povo, e que o António bem refere — não podia, aliás, concordar mais consigo e a esse respeito!
ResponderEliminarCoisa muito diferente é o facto de Povo de Yamato ser, sem dúvida alguma!, dos mais belicosos, agressivos e sanguinários que alguma vez existiu ao cimo da Terra — ainda que não gostem nada de o reconhecer (sobretudo fora de contextos em que o possam afirmar abertamente...) e apesar de fazerem questão em debitar regularmente a tal ladainha estéril e cínica "do desejo sincero de Paz no Mundo, e em nome dum melhor entendimento entre os povos..." etc., etc. que se obrigam a repetir por tudo e por nada seja em cerimónias oficiais, seja em encontros estudantis, uma hipócrisia total — mas esta é também uma matéria que muito me diz e que, confesso, tenho desde há algum tempo muita vontade de aqui abordar e desenvolver com mais profundidade, no blogue; vamos, pois, se me permite, deixa-la para outra altura...
Ainda a este respeito, lembrar, se me permite Caro ABB, que este seu amigo é Kenshi (praticante de Kendo), instrui miúdos pequenos na modalidade, sob a tutela e orientação dos seus Mestres de Dojo, e lida regularmente com o lado mais abertamente agressivo, ferozmente aguerrido e mesmo assustador do homem Nipónico — devo dizer aliás, que para quem como eu não foi sujeito ao cumprimento de serviço militar, a vida num 'kendojo', com a sua rígida hierarquia, disciplina espartana, constante exortar de uma certa agressividade e exigência de superação física e mental, pode ser a experiência mais próxima da tropa que alguma vez viverá...
Já no que se refere a certo um 'racismo Japonês', pessoalmente, vejo-o, no mais dos casos em que se manifesta, como algo de tão infantil e invertebrado na respectiva argumentação que chega a ser cândido... cómico mesmo! Mas nunca subestimando, claro...
No demais, e no que à sociedade feita nas ruas se refere, a violência real e digna de receio no Japão, parece continuar a ser um quase exclusivo da Yakusa, e muito limitada ao sub-mundo especialmente privado, sob a sua alçada. Os próprios Uyoku-Dantai por muito assustadores que queiram parecer — e, bem sabemos, no mais dos casos com ligações à Yakusa —, chegam a inspirar dó de tão irrelevantes que conseguem ser na sua imensa dispersão de tendências, e não parece haver seja quem for no seu pleno juízo que leve essa gente a sério ou lhes dê sequer dois minutos de atenção. Mas também quero, num futuro próximo desenvolver mais a fundo este tema.
Um imenso obrigado, uma vez mais!
Forte Abraço do Sul,
LFA / NBJ
Não tem o LFA que se justificar. Eu é que tenho de pedir-lhe desculpa por escrever comentários demasiado longos, que tem a amabilidade de dizer que são interessantes, mas que na realidade podem tornar-se maçadores para os leitores e até maus para o blogue se inibirem alguém de postar. Vou ter mais cuidado em ser sintético.
ResponderEliminarO problema de atingir a síntese é que ela requer que o objectivo seja claro e as ideias estejam muito bem arrumadas. Ora, quando me tocam no “botão Japão” não só tenho imenso que quero dizer, como a própria natureza dicotómica dos comportamentos dos japoneses em quase tudo e as surpresas frequentemente provocadas pela sua maneira de pensar, provocam “robobinações” frequentes nos meus julgamentos, nunca mais se conseguindos atingir conclusões que nos pareçam definitivas.
Por favor não pense de outro modo, eu gosto muito do Japão, não me sinto no estrangeiro aqui. É por isso e porque, embora relativamente integrado, tenho uma visão ocidental que me permite uma perspectiva diferente da dos japoneses, que me preocupo tanto com o estado do país e com o caminho que está a seguir. Às vezes alguns japoneses comentam-me a situação financeira de Portugal e respondo-lhes “dada a história de Portugal e a personalidade dos portugueses, é muito maior a probabilidade de sobrevivência de Portugal do que do Japão”. Os japoneses estão habituados a tratar os estrangeiros de cima para baixo, e se o estrangeiro não for branco ou de um país “ocidental” ou se vier de um país “ferido” (como Portugal está agora), então tratam-no na vertical. Nessas ocasiões, dá-me um “gozo” imenso mostrar-lhes que conheço bem o Japão e os japoneses, e falando-lhes em japonês com um sorriso nos lábios e argumentos a que terão dificuldade em ripostar, tratá-los a eles de cima para baixo. No Japão não conta a amizade! A amizade não existe. O que conta aqui é o respeito e o medo. Os empresários e diplomatas portugueses é que ainda não entenderam isto na sua relação com o Japão (e com outros países também).
LFA, está a ver?! Até para lhe pedir desculpa pela extensão do texto, escrevo um texto extenso! Peço desculpa a si e a todos os que tiveram a paciência de ler isto. Um abraço
Antonio Burnay Bastos
Não peça desculpa, meu Caro ABB!
ResponderEliminarEu é que tenho muito, mesmo muito, a agradecer, do coração, esta longa 'conversa' que aqui vai!
É um verdadeiro privilégio receber aqui os seus comentários, observações, opiniões, pontos de vista, informações, por mais extensas que sejam (eu, da minha parte, leio tudo quanto aqui escreve com o maior agrado e atenção, sinceramente) e tudo o mais que tenha a oferecer da sua vasta vivência e experiência pessoal no Japão, como Português há muito estabelecido neste país que tão poucos dos nossos compatriotas conhecem.
Os comentários que aqui deixou só vêm enriquecer e estimular este espaço, pelo que é uma imensa alegria, para mim, poder contar com este seu impagável contributo — tenha ele a extensão que tiver.
Suponho que a maioria dos leitores deste blogue são Portugueses como nós, suponho também que na maioria dos casos serão pessoas com um forte interesse no Japão e na Ásia — e este blogue é escrito em 1º lugar para eles —, pelo que é motivo de grande orgulho para mim, o poder contar aqui com um manancial tão rico de informações e observações como as que ABB aqui deixou, e que eu, no melhor dos meus méritos e ao serviço deste espaço, jamais poderia ter aqui trazido.
Um comentário/agradecimento final e muito pessoal que aqui quero deixar: um sentido obrigado, em particular, por este 3º/penúltimo parágrafo deste seu último comentário — nem faz ideia do quanto ele me diz de tão certeiras e acutilantes que conseguem ser as suas palavras a respeito do que afirma. É que é tudo tão verdade, valha-me Deus! Eu até tive que ler várias vezes só para apreciar o este ponto de vista com o qual me identifico tanto. Está lá tudo.
"No Japão não conta a amizade! A amizade não existe. O que conta aqui é o respeito e o medo. Os empresários e diplomatas portugueses é que ainda não entenderam isto na sua relação com o Japão (e com outros países também)." - se soubesse o quanto isto para mim invoca de verdadeiro e de assustador e me atravessa a vida de todos os dias! É verdade...
Só receio discordar consigo num ponto — não creio que Portugal tenha mais chances de resistir a provações do tempo que este sofrido Nipão: a Pátria, a quem tão bem quero, vejo-o hoje como um corpo exausto, caído, prostrado, ali à beira do mar silente e a quem já nem os cães temem ou respeitam, a carcaça escancarada de um naufrágio dado à praia... é triste, mas parece cada vez mais um país em vias de extinção...
Já dele escrevia O'Neill em '65,
"Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós..."