terça-feira, 20 de setembro de 2011

I nearly married a machine *





Where would I be,
without my R3?


         (Em homenagem aos Heróis esquecidos desta extraordinária história que a História quase esqueceu: Katō Tsutomu (加藤孟) e Osanai Tadashi (長内端) — tributo extensível a um seu especial colaborador, Mieda Fumio (三枝文夫), e a pelo menos um seu rival, Kakehashi Ikutaro (梯 郁太郎) — todos Japoneses, todos indivíduos brilhantes, todos com uma história única por contar.)



O hoje lendário DONCA-MATIC  DA-20 Disk Rotary Electric Auto Rythm Machine
— o primeiro engenho concebido pela parceria Katō/Osanai, estávamos no distante ano de 1963. Este seria o primeiro produto comercializado pela KEIO Gijutsu Kenkyujou (京王技術研究所),  embrião do futuro império KORG.




          
           Segunda-Feira, feriado nacional por cá — Dia do Respeito pelos Idosos (敬老の日  — Keirō no Hi), dia propício a uma crónica mais extensa e elaborada que as demais que os tempos mais recentes me têm permitido escrever e convosco partilhar.

            E porque esta é uma história que, bem além do tema central que lhe dá vida, abrange todo um vasto leque de reflexões sobre matérias, conceitos e questões que me são particularmente caras e que nos últimos tempos muito têm vindo a baila neste e noutros blogoespaços de minha eleição — temas como criatividade, individualidade, uma apetência pelo risco, inovar, criar, ir onde os outros não ousam, cortar amarras, e a busca de uma vida melhor, num lugar melhor, sonhos de juventude, eldorados por conquistar, expectativas goradas, sucessos e fracassos, a música como escape, lugares que esquecemos, de como eram, de como foram outrora, de vidas que esquecemos,  e que quiséssemos ter vivido em lugar da que nos calhou... 

Paul Humphreys & Andrew McCluskey, OMD (Orchestral Manoeuvres In The Dark), Liverpool, circa 1980: "Comprámos o nosso primeiro KORG 500 micro-presset através de um catálogo caseiro. Custou-nos, na altura, 17.6 libras por semana, a trinta e seis prestações, uma pequena fortuna para a época, sobretudo para miúdos como nós, que contavam cada tostão. Foi com ele que fizemos os nossos três primeiros albúns."
        

        Foi pelo fundo da noite de ontem, adentro, que, à falta de melhor entretenimento, dei comigo, subitamente, e sem que desse pelo passar das horas, a visionar, fascinado, mesmerizado, como raros são os programas televisivos com o condão de me prender assim, esse extraordinário documentário que ao fim deste escrito vos deixo, em versão integral de uma hora e meia aproximadamente. 
        Com a criteriosa chancela BBC, a peça audivisual que conclui este escrito, primorosa, simplesmente intitulada "Synth Britannia", mais que um mero documentário 'musical' ou sobre música, transporta-nos para um tempo que parecendo tão recente — uma certa 'década de '80' (que, para o caso concreto,  sofre como que uma espécie de antecipação imprevista, e vai, mais exactamente, de 1973/5 a 1983/5, e ireis, mais adiante, perceber o porquê deste aparente desfasamento cronológico, mas já lá vamos... ) —, nos é hoje tão estranhamente remoto. 
      E a um lugar que nos é tão difícil de conceber, hoje, como seria realmente então: um país deprimido, em profunda crise económica e social e sob os astros de uma urgente carência de mudança; um cenário de subúrbios cinza-betão e céu carregado, cuja mocidade residente, nutrida a sci-fi distópico via J.G. Ballard, Anthony Burgess, Kubrick e Lucas, e embalada a riffs de Glam Rock e Krautrock importado, conspirava um futuro que teimava em tardar. Esta é também uma história de sonhos ingénuos, num tempo de tensões à flôr da pele, e de muita angústia, esperanças falidas, emprego escasso e amanhãs adiados, reconhecimentos por conquistar, escrita entre o consumo de maços de tabaco barato comprados a meias entre amigos e a rodar por todos, televisões lá de casa alugadas (é verdade meus amigos, parece mentira, mas era mesmo assim!), e a incontida ânsia de sair dali, partir, ver e ter na palma da mão esse admirável mundo novo de então que tudo prometia. 

Kraftwerk, 1976



         Não é só, nem é tanto sequer, uma história feita de melodias simples entrelaçadas em silvos eléctricos saídos de pequenas e herméticas máquinas e outras cacofonias ridículas e penteados bizarros, mas sobretudo de descoberta, invenção, ousadia e persistência. E é na improvável aventura das ideias que ninguém ousaria tomar por sérias, que lhe está a graça.

Uma pequena maravilha "Made in Japan", hoje uma peça de museu — KORG 500 micro-preset: lançado no mercado em 1979, por um preço tido por acessível, foi dele que saíram verdadeiros clássicos dos OMD como este, este e ainda este...


         Mas não era esta a história que vos queria contar — essa está aí mais abaixo, em full length, e vale mesmo a pena vê-la, mesmo para aqueles que  não têm o menor interesse pelo género musical em causa ou pelo tema em si: é que é mais que um relato de estilos passageiros, um esmerado retrato de uma época que vivemos à distância e da qual estivemos  e estamos ainda tão perto, e tão digna, em-si,  de recordar. 

DM, Basildon, circa 1980


         É sim ess'outra história que ficou por contar,  a de quem possibilitou, como mais ninguém, que o guião da primeira fosse escrito.  Gente que fez o impossível, criar os meios para que a história que se segue fosse possível. A fôrma e o forno onde o bolo foi cozido.
        E essa história não tem lugar na Inglaterra de 1975 - '83, mas sim no Japão que aqui celebramos e principia perto de uma década antes, numa insuspeita área de Tokyo-to.






      Aos seus principais protagonistas — nota prévia — não deverá ser outorgada a totalidade do mérito pela criação dos meios que possibilitaram a revolução synthpop de finais de '70/primórdios de '80 em Inglaterra. 
      Porém, é inegável, que sem o seu especial contributo, absolutamente fulcral, enquanto impulsionadores de uma indústria de equipamentos até então ora olhados com desconfiança por potenciais investidores, ora acessíveis tão-só a uma mão-cheia de privilegiados, nada do que hoje em matéria de electrónica aplicada à música conhecemos, teria sido possível.    
  
       A verdade é que, até à introdução no mercado, em meados da década de '70, dos pequenos e acessíveis-à-carteira mini/micro-KORG analógicos, entre os quais primavam os hoje raros e muito disputados mini 700s — preferidos, no auge do seu sucesso, por artistas tão distintos com Stevie Wonder, Human League, Vangelis ou The Cure —, a música electrónica era simplesmente um luxo reservado a uma pequena elite de entusiastas e especialistas como Walter (hoje Wendy) Carlos — espécie de 'piloto de ensaios' da então mais sofisticada e promissora MOOG —, 'magos' do Prog Rock como Rick Wakeman e Keith Emmerson, gente de boas referências e já bem posicionada e cortejada pela indústria, como um Richard Wright/Pink Floyd ou um Eno/Roxy Music, ou uns distintos e inacessíveis forasteiros dotados de insondáveis recursos como uns Kraftwerk ou uns Tangerine Dream.

Ralph & Florian, Düsseldorf, circa 1970 — Kraftwerk dando os seus primeiros passos.
Até meados da década de '70, raríssimos eram aqueles que podiam possuir/adquirir um sintetizador — mais raros ainda eram os que ousavam projectar e montar as suas próprias máquinas. Ralph Hutter e Florian Schneider contavam-se entre os poucos e audazes capazes de o fazer, e bem.


       E fora precisamente na Alemanha Ocidental de uns Kraftwerk ou de uns CAN e demais camaradagem de Krautrock, que alguns dos antepassados dos mais modernos sintetizadores haviam logrado marcar pontos — máquinas como o mítico Trautonium de Oskar Sala, proeminente nesse também ele mítico "The Birds" de Alfred Hitchcock, de 1963.

      Ora é precisamente em 1963, que a história da hoje gigante KORG principia, e logo com uma irritação de um dos seus fundadores, Osanai Tadashi (長内端), um então jovem acordeonista que entretinha as noites de um pequeno bar de música ao vivo gerido pelo principal protagonista deste conto, Katō Tsutomu (加藤孟): Osanai fazia-se, então, acompanhar por um rudimentar Wurlitzer Sideman rhythm machine, uma caixa de ritmos muito simples de fabrico americano, engenhoca cujos préstimos muito deixavam a desejar no entender do jovem músico. É então que convence o patrão a financiar-lhe a montagem de um sucedâneo para a modesta Wurlitzer, de acordo com certas especificações por si idealizadas e à medida do que reclamava serem as suas reais necessidades como profissional do palco.

Katō Tsutomu (falecido a 15.03.2011), fundador da KEIO ELECTRONIC,  hoje KORG.


      Surge assim a curiosa e hoje lendária DONCA-MATIC DA-20, a primeira 'drum machine' digna de nome e produto de estreia da então baptizada KEIO Gijutsu Kenkyujou (京王技術研究所). Em 1966, são já várias as DONCAs em circulação e uso e a sua popularidade é crescente entre organistas, músicos de sessão e outros entusiastas. Mas é em 1967, com a aproximação à pequena empresa de Katō e Osanai, de um jovem engenheiro obcecado (coisa tão de cá...) em construir instrumentos electrónicos, Mieda Fumio (三枝文夫) de seu nome, que a KEIO toma um novo impulso rumo a horizontes antes impensados. É, ainda assim, a Katō Tsutomu que muitas das grandes inovações e apostas da KEIO ELECTRONIC, devem ser atribuídas — o próprio teria um lugar determinante na direcção do grupo KORG até à sua morte, vítima de cancro, a 15 de Março deste ano.

          A KORG não seria a única impulsionadora do synthpop britânico de finais da década de 70/princípios de 80,  o tal período que muitos identificam, não sem equívoco, com essa mal-amada 'década de 80' , esses injustamente 'unremembered Eighties', como a eles se referia, em tom de sarcasmo, James Murphy, dos LCD Soundsystem, em "Losing My Edge" — tema, também ele de per si, uma extraordinária e alucinada viagem em menos de cinco minutos, pelos grandes momentos da história da música popular dos últimos quatro ou cinco decénios —, a era dos sintetizadores em que ninguém queria usar guitarras e "tocar música a sério"

The Normal (D. Miller): Warm Leatherette / T.V.O. D.
1.05.1978

     Ao grupo de Katō, Osanai e Mieda — que contava já no seus primórdios com a competição aguerrida de empresas oriundas sobretudo dos E.U.A. entre as quais primava a inventiva MOOG — juntar-se-iam nas décadas seguintes outros grupos empresariais japoneses entre os quais há a destacar os desempenhos de uma ROLAND, de uma YAMAHA, ou  de uma AKAI. Contudo é de notar que a concorrência além-ilhas, e a norte-americana em particular — MOOG, OBERHEIM, ou BUCHLA — nunca logrou produzir instrumentos verdadeiramente acessíveis, em termos de relação preço/qualidade, capazes de fazer a diferença e potenciar uma verdadeira revolução como foi o synthpop de '80. No domínio da criação e comercialização de instrumentos musicais electrónicos de alta qualidade, sintetizadores, drum machines, e outras geringonças capazes de gerar sons nunca antes sonhados, por valores e em circuitos de distribuição acessíveis ao comum dos mortais, ainda hoje o nome KORG é rei.

        Quanto à restante história deste hoje grande grupo empresarial e seus inventos, e porque o tempo já escasseia e este escrito tende a alongar-se mais que o inicialmente previsto, remeto-vos para esta versão compacta, ainda que detalhada, da mesma ou para esta mais esparsa em um, dois, três capítulos — e para aqueles que se interessem mesmo, mesmo muito por estas coisa, como é o meu caso. 

          Tornando à origem: agora recomendo-vos firmemente que deis uma espreitadela a este fabuloso teledocumentário que se segue. Vereis que a história que vos será narrada faz jus a este texto, omitindo contudo alguns dos nomes que aqui destaquei. Mas este relato é sobre a música e sobre quem a fez e porque a fez e não tanto, como é óbvio e natural, sobre as máquinas que o possibilitaram. Hora e meia, o tempo de um desafio de futebol e tem muito mais piada, informação digna de nota e entretenimento de primeira água. 
           Repleto de clássicos que, aposto, tantos de vós já terão arrumado num soturno canto da memória,  conta ainda com um elenco de luxo, assim e aos pares: Kubrick & Carlos, Ralph und Florian, Moroder & Summer, Oakey & Ware, McCluskey & Humphreys, Foxx & Ure, Chris & Cosey, Moyet & Clarke, Tennant & Lowe.... 
          E ainda com os préstimos individuais de um Numan, de um Gore, de um Sumner, de um Ball, de um R.H. Kirk, do maior e mais influente de todos eles, um certo Daniel Miller, e até de um Ballard — cameo e as himself.
             A segunda parte, então, é imperdível...

            Just can't get enough. 












* O título deste escrito obteve a sua  inspiração d'AQUI.





♩ ♪ ♫  ♬


5 comentários:

  1. LFA,

    Obrigado por este seu magnífico post. Eu tenho 52 anos e, por favor faça as contas, entre finais dos anos 60 e finais dos anos 80, eu - como tantos adolescentes e jovens daquele tempo (e de hoje também, penso eu de que...) – quero deixar-me absorver e misturo-me com livros e música de todo o tipo, ainda mais do que filmes e futebol. Fui, ainda sou, um fã dos Kraftwerk (e que a propósito eles vêm nestes tempos radioactivos...), de Rick Wakeman, Pink Floyd ou Vangelis que são referidos, e também de Jean Michel Jarre que penso preceder Vangelis e, embora não sendo referido, vem-me imediatamente à ideia porque se poderia inserir neste post. Estou certo?

    No final dos anos 80 descobri a música japonesa e apaixonei-me por ela. Não estou falar só da música ancestral e tradicional. Estou a falar da música ligeira, pop e baladas contemporâneas que são das melhores do mundo. Pena que seja tão pouco conhecida fora do Japão, mas um cantor ou grupo no Japão é capaz de vender tantos CDs quanto a maior parte dos conhecidos artistas internacionais, por causa dos clubes de fãs que são os mais fiéis do mundo e compram tudo quanto sai. E, há a música de Okinawa (okinawa minyo) que me deleita e me transmite simultâneamente energia e paz como nenhuma outra.

    Se há coisa em que os japoneses são os melhores do mundo, é na música. Todos recebem desde pequenos uma educação musical e de canto. A maioria dos japoneses aprendeu a tocar um instrumento. Nas festas de graduação, que são muitas ao longo da vida, de boas-vindas, de comemoração, de anos, de casamentos e às vezes até funerais, há sempre canto coral ou karaoke, e interpretados “à séria”. Há muitos concertos de música clássica e estão sempre cheios. Aqui em Tóquio são inumeráveis (mas noutras cidades também são muito frequentes) restaurantes e bares com música ao vivo – piano, contrabaixo, violino, guitarra, flauta, às vezes conjuntos entre estes instrumentos, ou jazz. As pessoas fazem as suas conversas, outros cosem-se nos seus pensamentos, outros escutam com alguma atenção – o ambiente é agradável. E não se paga mais por isso ou então os preços dos pratos são ligeiramente mais altos, mas coisa pouca. Penso que aí em Fukuoka há vários restaurantes assim, não tenho de memória. Em Nagasaki há!

    Não sei se já teve a experiência de um Concerto ao Vivo num Estádio ou num Pavilhão grande, mas se não permita-me que lhe recomende que vá a um Concerto de um dos seus cantores ou grupos preferidos. Antes do Concerto são lançados DVDs de treino, ou estão disponíveis na Net, com os movimentos que se devem fazer em cada canção, quando é que se podem usar objectos luminosos de cor, se é ou não possível lançar balões, etc. Então no Estádio teremos 40.000 pessoas a fazer os movimentos iguais e ao mesmo tempo, a usarem as luzes de cor simultaneamente e nos mesmos sentidos, etc – é um espectáculo inolvidável. Claro que às vezes isto torna-se ridículo para um ocidental, e até irritante, termos que fazer tudo igual e ao mesmo tempo. Mas isto é Japão. Quando não estamos sozinhos, o que conta é o grupo. Também no palco, todos os membros do grupo estão vestidos de igual e fazem exactamente os mesmos movimentos e ao mesmo tempo. E “grupo” é tão importante aqui no Japão que há incomparavelmente mais grupos que cantores individuais.

    Viva a Música!
    Obrigado pelo seu post e um abraço para si, do
    Antonio Burnay Bastos

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  2. Caríssimo ABB:

    Felicíssimo que este post seja do seu particular agrado!

    Foi escrito muito a pensar no muito que conversávamos um post mais abaixo e sobretudo a propósito do que o António escrevia/observava acerca dessa "regra de ouro" de uma certa supressão da individualidade na sociedade Japonesa (e já agora algo que sucede também, ainda que sob a égide de outros parâmetros, noutras sociedades asiáticas) e também do que observava acerca de um certo declínio da inventividade e da indústria japonesa.
    É que eu, da minha parte, ainda admiro, e muito, uma certa capacidade de iniciativa muito única deste povo.

    Casos como a da KEIO/KORG, que começaram quase que por mera graça com dois ou três excêntricos e a quem aqui presto especial homenagem, claro está, só podem ser compreendidos à luz da época em que tiveram o seu 'heyday', um tempo de muitas promessas e de muitas oportunidades que hoje são massa falida.
    Porém, ainda reconheço e saúdo, aqui e ali, muito de um certo génio criativo único desta esta gente e sobretudo na juventude — em todos os campos: design, electrónica, bens de uso vários, todo o tipo de coisas — algo que me diz muito, muito mesmo e que muito almejo tomar, senão mesmo seguir como grande exemplo de perseverança.
    Recordo-me em particular, a este respeito, de um catálogo que, logo cedo após cá ter chegado e assentado arraiais, em Junho de 2008, e se a memória me não falha, que, dizia eu, versava sobre uma vasta miríade de bens e serviços produzidos pelos associados de uma espécie de confraria de jovens empreendedores japoneses oriundos de todo o país, tudo malta nova, nos seus vinte, trinta e poucos, que montaram, cada um a sua, com meia dúzia de patacos, as suas pequenas firmas e oficinas de tudo e mais alguma coisa, com dois, três, quatro colaboradores no máximo — e eram centenas e centenas de histórias simples de sucesso feito de teimosia —, e faziam/fazem as coisas mais incríveis e geniais, desde mobiliário a têxteis, brinquedos, artigos de papelaria, vidro, cerâmicas, gadgets electrónicos, coisas absolutamente fabulosas!

    (CONT.)

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  3. Na altura, sei lá porquê, não o levei da livraria onde o achei, e depois, e até hoje, foi das coisas que mais me arrependi de ter deixado lá na prateleira, porque mais tarde voltei a procura-lo sobretudo porque me pareceu ser de grande utilidade para certos projectos pessoais/profissionais que ainda estou a tentar fazer arrancar, e nunca mais tornei a encontra-lo.

    É que, de facto, e apesar de concordar inteiramente consigo sobre o que afirma acerca da 'tirania' da tal regra 'do juntos é que somos gente', eu ainda constato haver muito impulso por aí, de fazer por si mesmo sem pedir aprovações prévias e gosto disso.
    E ainda que estes casos possam ser minoritários no todo da sociedade nipónica, é um facto inegável que muita da colossal massa industrial deste país é ainda feita de inúmeros, incontáveis pequenos negócios familiares locais, industriazinhas um pouco por toda a parte aqui e ai que fazem de rigorosamente tudo, numa imensa cadeia de ligações, cumplicidades e concorrências, e é muito interessante de observar.
    Aqui mesmo onde eu resido, em Hakata-Ku, centro de Fukuoka (a tal "Liverpool do Japão" como lhe chamam, não é assim?), todos os dias passo por sem número de pequenas fábricas aqui mesmo à porta de casa, desde a casa dos fulanos que fazem caixas de cartão, passando pelos outros ao lado que fazem esponja e poliestireno/esferovite para acondicionar os bens a transportar nas caixas dos primeiros, ao tipo que faz fita-adesiva para fechar as caixas, o outro três números de porta mais abaixo que faz não-sei-o-quê com mais cinco ou seis operários e tudo isto e muito mais no seio de uma área absolutamente residencial e de classe-média, algo que eu acho absolutamente extraordinário, fascinante mesmo.
    Ao que sei, já era assim antes e durante a Guerra quando o LeMay decidiu bombardear bairros como o de Sumida em Tóquio, onde se concentrava uma gigantes rede de pequenas indústrias familiares que abasteciam as indústrias pesadas e militares, as forças armadas e constituíam a 'espinha' do esforço de guerra japonês, o que levou o LeMay a declarar logo após o dantesco 'Daikushu' de de 10.3.1945: "Partimo-lhes as costas, a indústria militar do Japão está liquidada!"
    E acredito que esta é uma das grandes forças ocultas, ou deveria dizer melhor 'discretas' da economia deste grande país, aquilo a que esta terra terá sempre de se agarrar pela importância que tem para a sua capacidade produtiva.

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  4. No que a música respeita, eu, como o António e outros dos meus leitores já terão certamente percebido, sou apreciador, prioritariamente, de rock/pop e electrónica/experimental/alternativa, mas também ouço muita clássica e erudita contemporânea e algum (pouco/menos) jazz.
    Questão de filiação geracional — sou uns anitos mais novo que o ABB, tenho 37 anos, nasci pouco menos de um mês antes do 25 de Abril —, gosto muito do que foi feito na época retratada no documentário que aqui deixo, porque foi ao som desses meteóricos vultos do 'synthpop' que vivi a minha infância, cresci e comecei a formar o meu próprio gosto e interesses.

    Acerca da música que por cá (Japão) se faz, eu sou sincero: há muita coisa de que gosto, mas é muito mais aquilo que acho insuportável. Gosto sobretudo de certas melodias de gosto nostálgico/retro, não necessariamente etiquetáveis como "Enka", mas voltados para um público de mais idade, d'outros tempos — gosto muito do 'repertoire' clássico, por exemplo, de uma Misora Hibari ou de um Mori Shinji, que acho muitos engraçado com aqueles tiques 'sofridos' (também já deixou o mundo vivos, não é assim?). Gosto muito, também, de uns Biri-BanBan, com aquela pinta de professores primários ou de seminaristas a cantar baladas folk românticas como o "
    また君に恋してる", 'tá a ver qual é, não está? Ahah, e gosto também de algum rock e pop feito por cá entre os anos '70 e mais recentemente, mas pouco na verdade, e acho quase tudo o que se faz de há umas duas, três décadas para cá, em geral, absolutamente pavoroso, horrendo — como dizia o John Lydon dos Sex Pistols/P.I.L. numa velha e amargurada entrevista feita em visita a este país nos idos de oitenta e tal, "it's all crap, cheap, lurid imitations of the worst we got in Britain and elsewhere." , e é mesmo isso que eu acho de 95% do J-rock/J-pop de hoje.
    Já da tradicional tenho, em geral, muito, mesmo muito interesse, ainda que alguma dificuldade em absorver e investigar mais a fundo.

    Espero voltar a este tema, também, um dia destes.

    Obrigadíssimo pelo interesse!
    Forte Abraço!

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  5. LFA,

    E o que acha da 中島みゆき (Miyuki Nakajima), da 森山良子 (Ryoko Moriyama) ou dos チューリップ バンド (Tulip Band) ? A Nakajima, particularmente, tem uma força de voz, melodias e letras do mais energético, ou vitamínico (não sei explicar) que conheço. E também do德永英明 (Hideaki Tokunaga), que é aí de Fukuoka?

    Quando vim viver para o Japão pela primeira vez (平成1年4月) estava na moda a canção “Kowarekake No Radio” (lançada em 1986) do Tokunaga e que me atraiu imenso para a música pop japonesa. Nessa altura não falava uma palavra de japonês, mas lembro-me do fascínio que me provocou o som da língua e da forma como eu achava (e acho) que é uma língua que “joga” muito bem com a música, que é linda cantada. Quando comecei a perceber alguma coisa (foi 1 ano de 6 horas diárias de aula de 2ª a 6ª, mas esta cabeça não é brilhante embora com muito, muito esforço lá consiga qualquer coisita...), e descobri que esta canção fala do turbilhão que vai na cabeça de um adolescente praticamente adulto, associei-a imenso ao “Não há estrelas no céu” (Rui Veloso) que tinha acabado de ser lançado e era muito popular em Portugal. As melodias são muito diferentes, mas também as culturas e ainda não havia internet nem TV Cabo nesse tempo, pelo que a distância física de tantos milhares de quilómetros era “lonjura” efectiva, o que, a mim, tornou impressionante a concomitância (na realidade o tema japonês antecede o português em 3 anos e meio, mas 3 anos e meio há 20 e tal anos era “muito menos tempo” do que hoje).

    Também vai um turbilhão na minha cabeça, pelo que não sei exactamente explicar a minha atração pela (nem toda!) Jpop. Provavelmente não há explicação (ao contrário dos europeus que são cartesianos, nas culturas do extremo-oriente não tem que haver explicação para tudo). Mas mais do que atracção, fascínio é mesmo pelos sons de Okinawa.

    Um abraço e boa entrada no Outono.
    Antonio Burnay Bastos

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