quinta-feira, 28 de julho de 2011

Mulheres de Armas




A imagem de uma vida.


     Algo me esperava de regresso à Pátria dos Kami e da Nihontō (日本刀).
    Não seria a festa a que alude a entrada anterior nesta folha, mas uma outra festa sim, a tal.
    Sim. Que regressar ao GYOKURYUKI [玉竜旗高校剣道大会] — Campeonato de Kendo Inter-Liceus de Todo-O-Japão é sempre peregrinação digna de especial favor. 
        Um must, absolutamente imperdível por quem por terras de Kyūshū passe ao cair de Julho. 

      E ainda hoje me pergunto como, e havendo tantos desses ditos expats [palavrão pedante] por cá de residência fixa, continuo, e que me lembre, de há três anos a esta parte pelo menos, a ser o único gaijin que nunca falha uma edição do maior torneio juvenil da arte magna nacional de Yamato (bem sei, que há afazeres muitos, responsabilidades, família, escritório, tudo coisas bem mais sérias, e o Gyokuryuki estende-se pela semana útil adentro, mas em cinco dias de combates das 8:00 às 18:00, não me digam que não há uma folga na agenda... Eu próprio não estou lá todos dias e por muito que venere a modalidade e o evento em si, ainda forço uma brecha entre as responsabilidades do dia para apreciar um par d'horinhas que seja do torneio).






     De 24 a 26/07 (as fotos são do dia 25, fase de qualificações) decorreu a metade do torneio entregue às Joshi [女子], bravas legatárias da tradição dos seus ancestrais Bushi, egrégios avós que a seu tempo confiavam a espada tão-só aos varões de suas casas, relegando para as mulheres as funções de oku-san (奥さん, literalmente, as 'lá-de-dentro', a palavra japonesa ainda hoje formalmente em uso para 'esposa', numa sociedade ainda predominantemente patriarcal). Outros tempos, outras vontades. Hoje, as Joshi dão cartas em todas as modalidades de armas tradicionais e o Kendo é hoje, bem mais que a Naginata — tradicionalmente a arma 'delas' — , o seu palco de eleição para brilhar, e oh! se brilham!...




     Não sou propriamente adepto de uma certa retórica que, à força de querer conciliar o altivo firmamento das coisas do intelecto e do espírito com esse bem mais mundano e   negligível patamar das recreatividades  desportivas, se recorre imprudente e impenitentemente de um Camus, da sua paixão pelo futebol e pelo Racing Universitaire d'Alger — clube onde jogou em plena juventude na sua Argélia natal — e desse seu mítico "Tudo o que aprendi na vida, fi-lo com o futebol." (disparate, a citação correcta é esta: «Vraiment le peu de morale que je sais, je l'ai appris sur les terrains de football et les scènes de théâtre qui resteront mes vraies universités. »).


        Contudo posso e devo afirmá-lo: muito do que aprendi sobre o Japão e a sua gente aprendi-lo com o Kendo e em recintos e torneios como o Gyokuryuki, pois que a modalidade em si e eventos como este escondem a cada tornear do olhar em diferentes direcções, uma esplêndida multitude de complexos (ainda que candidamente simples na aparência) códigos e idiossincrasias que só este país e esta gente acolhem como coisa muito íntima e de inconclusivo escrutínio.


        















Há uma combatividade obstinada pelo estandarte e cores envergadas.



Há uma disciplina incorruptível no que às coisas do estandarte e suas cores se refere 
e a ocasião confere.













































Há uma serenidade na espera. Um silente apreciar do desenrolar do jogo.




















































Há vénias feitas a contra-gosto...


















... e um mal-disfarçar de emoções à flor da pele.













Há um pesado apreciar e um minucioso, ainda que tenso, ponderar do outro.



























Há um ver e um conter. E um calar.






































E há discretas confidências em surdina.
E a importância dos caracteres impressos, e não tanto por aquilo que dizem,
mas por aquilo que parecem, ou melhor, sugerem — uma vez impressos.














Há um colectivo reportar aos outros dos feitos de todos e cada um.













E um colectivo partilhar das alegrias e esperanças de todos.

















E esse peso da responsabilidade pelas esperanças depositadas em nós e por nós nos outros.
Nos que dão o exemplo.













Há um cuidar das regras — questão de Dignidade.





















Há um asseio, de corpo e de espírito e de traje — questão de Dignidade.













Há um constante cair.


























E um permanente reerguer, com redobradas forças.









E há uma alegria infatigável em ser parte do clã, em envergar-lhe as cores e defender-lhe o estandarte.



Hoje, 27,  foi já dia de prestações dos mancebos.
Amanhã lá estaremos.


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