Ele há dias assim. Dois ou três dissabores de enfiada. Uma quezília com os astros, assim dá de parecer. E depois há aquela minha melancolia crónica, que teima em dar sinais de vida em alturas destas. Coisa de fígados, diriam os nossos egrégios avós...
E num dia assim, nada como ser presenteado com um recuerdo desses de valor mais emocional que outro que se lhe queira atribuir, com as côres correctas e um peculiar ar-de-sua-graça.
Foi ao passarmos, pela tarde de ontem, pelo Museu Nacional de Kyushu (九州国立博物館 - Kyushu Hakubutsukan), em Dazaifu, nos arrabaldes da nossa Fukuoka, que demos de caras com o simpático artefacto na imagem, ali, relativamente incógnito, esse tenugui (手拭い) invocativo da memória NanBan por terras de Kyushu... A Etsu insistiu em dar-mo de prenda de dia-não, se há lá coisa para dar em dias destes... Coisa boa para sorrir como um miúdo a quem é dado um brinquedo novo... Até porque é particularmente reconfortante, em dias de má-memória como o de ontem, constatar haver merchandising deste com fartura em lugares como o Kyushu Hakubutsukan - havia lá, entre canetas, postais-ilustrados, blocos de notas, pisa-papéis e bibelots ligeiros para gostos menos exigentes, todo um sem-número de pequeninas lembranças dessas de fazer o gosto ao dedo ou de dar de omiyage quando se visita a família por cá, invocativos de uma certa portugalidade remota, todas elas ostentando a invariável carraca, essa icástica Nau do Trato, o Kurofune (黒船 - a Nau Negra) como lhe chamavam os daqui, e que nos idos de quinhentos, e por mais de seis décadas, ligou as praças de Gôa, Macau, Malaca e Nagasaki, entre longas e arriscadas empreitadas da fortuna prometida por mares d'Oriente, na reclusa solidão da tormenta, e que os ilustradores dos byôbu (屏風) de então trataram de imortalizar num certo imaginário colectivo.
E tudo isto não seria mais que um anedótico fait-divers, não fôsse o facto de por esse Japão fora, este vosso NanBan ter tantas vezes sido confrontado com a mais cruel e inusitada das ignorâncias acerca do seu país de origem: isto num país que além de afamadamente próspero e tido por 'educado' (era há não tanto tempo assim um dos campeões pêsos-pesados do investimento público em matéria de educação), viveu perto de um século da sua história com o nome de Portugal escrito nos respectivos anais, e que para além de uma muito significativa presença hoje de uma vasta comunidade imigrante Brasileira - e de uma forte e bem propagandeada ligação ao país que por seu turno acolheu, desde 1908, vários fluxos migratórios oriundos daqui -, reconhece a importância desta presença transoceânica, dando à Língua Portuguesa um merecido destaque de que não comungam outros idiomas ocidentais - veja-se, a título de exemplo, que em qualquer ATM aqui, figura um menú de opções/acções que além do idioma nacional contempla o Mandarim, Coreano, Inglês e, pasme-se, o PORTUGUÊS, assim bem escrito e claro, e não há espaço para mais (Français, Deutsch, Español, ficam de fora). Pois é verdade, caríssimos: já por uma mão-cheia de ocasiões, autóctones presumivelmente (bem-)educados, me perguntaram sem trejeitos de descaro que língua se fala em Portugal, fora as vezes, que já lhe perdi a conta, que nem com um planisfério à frente ou sequer um mapa da Europa diante dos olhos me souberam apontar com o dedo o país do Kurofune. Nem invocando o nome de São Cristiano Ronaldo o mais das vezes sequer lá vão.
E assim sofre o nome da Lusa Pátria no Mundo.
Valha-nos haver quem insista em remar contra esta maré vazante do oblívio colectivo e faça por vindicar a memória que é de todos, como os mentores desse exemplar NanBan BunkaKan (南蛮文化館 - Museu/Galeria da Cultura Nanban), instituição privada sita em Osaka, que recomendo a todos os interessados nestas coisas da lusitanidade no Mundo, e se por lá passardes.
Bom fim-de-semana a todos.
気をつけて / Ki o'tsukete.