sexta-feira, 15 de abril de 2011

Últimos Cartuchos...









   ...da Primavera em flor.
   E que melhor lugar para os queimar do que essa grande e serena necrópole, que se estende, solene, contemplativa, por toda a encosta da Colina dos Mortos?

   Hirao Reien [平尾霊園], o grande Parque Fúnebre de Hirao (não será correcto chamarmos-lhe cemitério, e irei já explicar-vos o porquê deste nosso entendimento...), domina o alto da zona Sul da cidade, a meio do percurso que usualmente me leva até ao Seishin'kan, o Kendōjō que gentilmente acolhe este NanBan, mais a Sul, ao bairro de Nagazumi, do outro lado do morro. Trata-se, na verdade, de uma dessas tais 'colinas prósperas' que dão o nome à cidade — Fukuoka, dos Kanji 'Fuku' [福 — Prosperidade] e 'Oka' [岡 — sinograma arcaico para colina]...

















    Com efeito, a expressão Reien [霊園] vê-se vulgarmente traduzida pela designação 'cemitério'. Contudo, a dita fórmula sinográfica significa literalmente 'Parque de Almas', e, de facto, os Reien japoneses são tudo menos cemitérios comuns, e antes, sim, vastos parques convidando os transeuntes a um passeio ocioso ou a um piquenique de fim-de-semana na companhia de entes queridos deste Mundo. 
   Alguns, como é o caso deste esparso 'parque memorial' (como também outras traduções livres sugerem) em Hirao, albergam mesmo pequenos espaços de recreio infantil, com baloiços e outros lúdicos engenhos destinados aos mais pequenos, e, no mais das vezes, destituídos de quaisquer muros ou vedações altas delimitando a respectiva área ou impedindo incursões a horas impróprias, achando-se, isso sim, harmoniosamente inseridos no seio de amplas áreas residenciais de uma certa classe-média a quem a proximidade dos jazigos de mármore cinza, em nada se reveste de mórbido ou funesto.
















       E era, sem sombra de dúvida, o melhor lugar que eu poderia eleger para uma despedida em grande às Sakura deste ano, que em Hirao Reien, e pelo fim-da-tarde de Quarta 13, iam já largando ao vento as suas alvas pétalas, num langor suave e silencioso sob o céu luzidio de Abril, cobrindo o solo e as 'hakaishi' [墓石] com essa peculiar neve de Primavera que só em lugares como este se exibe em toda a sua graça...








"...How I wish you were here with me now..."























































































































































































... E há sempre uma presença improvável,
 em trânsito...


































... E há sempre aquela Luz...



















...Ah!  Aquela Luz...

















Aquela Luz improvável











...A shiny beacon of Hope...





✿✿✿



6 comentários:

  1. Luís, NanBan Jin,
    "Parque das Almas", os japoneses são mesmo um povo nobre!

    "Parque das Almas", agora entendo esse lugar a que cá se chama cemitério.
    Desculpe cortar o seu silêncio...
    A ligação com a morte no Japão difere bastante da nossa...
    Tudo muito belo!

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  2. Segui o link que a Ana deixou no (In)Cultura e, no mínimo, foi uma grata surpresa o que por aqui vi e li.
    Por esses lados é sabido que se passa por uma situação que os observadores, apesar do esforço, não conseguem aquilatar.
    Que essa luz improvável nunca finde!

    Abraço

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  3. Olá Ana. ☺
    Não vem perturbar nada.
    Fico feliz por receber a sua apreciação e mais feliz ainda pela sua presença e agrado em aqui passar.

    Sim, creio que a relação com a Morte, mercê de uma certa idiossincrasia religiosa e da presença de um corpo de crenças e costumes muito particulares, é algo distinta daquela que nos envolve a Ocidente.
    Porém estou em crer que a razão de ser deste 'à-vontade' aparente em torno do lugar de repouso final dos que parte, como o que aqui surge exteriorizado no caso dos 'Reien' como este em Hirao, prender-se-á em primeiro lugar, com a primazia da cremação dos mortos por oposição ao hábito mais europeu do enterro propriamente dito —
    todas estas 'Hakaishi' (jazigos) albergam tão-só as cinzas dos que honram.
    De um modo geral, o enterro dos restos mortais de quem parte, não é, nem pouco mais ou menos a regra, sendo mesmo algo de muito raro aqui.
    Talvez daí advenha um menor temor irracional face à proximidade ou a um certo 'convívio' de perto com Morte que aqui contemplamos.

    Uma vez mais, feliz de a ter cá. ☀
    Beijinho!


    ❖❖❖

    Caro(a) AC:
    É sempre um prazer e uma alegria imensas ter por aqui uma presença nova. A casa é sua! ☺ 宜しくお願いします!
    A Ana, que já me conhece há algum tempo destas lides, sabe que eu nem sempre tenho o cuidado de responder a todas as intervenções com que os meus leitores, amigos e visitantes me premeiam, mas de um modo geral prezo muito o interesse manifestado por quem cá passa, assim venha por bem.

    São tempos difíceis, estes, para o país que me acolhe, é certo, mas convirá não esquecer, como eu aqui tenho feito questão de recordar, vez por outra, que este mesmo país já passou por tempos bem, bem mais duros, e foi capaz de se reerguer em condições sobremaneira mais custosas. Por isso, a Fé é muita! ☺
    Tanta simpatia, tanta solidariedade, tanta força e esperança repartidas, tanto auxílio enviado, e o Japão jamais esquecerá est'outro 'tsunami' de amor e respeito que o Mundo numa hora tão difícil lhe fez chegar a costa. Mas este é, ainda, um país próspero, rico, com níveis de desenvolvimento económico, social, cultural e humano, como raros lugares na Terra têm o privilégio de partilhar, e há quem porventura precise tanto ou mais de toda esta vaga de auxílio, simpatia e amor, que o nosso bom Povo de Tohoku.
    Não esqueçamos em particular o martirizado Haiti, que parece ter ficado esquecido e para trás, com esta nossa hecatombe de 11.03.

    Forte Abraço!
    LFA|NBJ

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  4. E é no 'parque das Almas' que também encontramos a nossa paz...assustam-me mais os vivos do que os mortos...entre os mortos, existe o respeito pelo silêncio....
    E essa luz, essa luz....

    NBJ, como eu gosto deste post....e a música também conta....

    Beijo luz....no encontro de almas...

    Blue

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  5. Luís, Nan Ban Jin,
    Obrigada pela explicação. Ainda acho mais belo. Apesar de não conviver bem com a morte, quero ser cremada mas em vez de um "Parque de Almas", prefiro ser deitada no mar, em terra de ninguém e de todos.
    Esse "Parque de Almas" é só para xintoístas? Ou contempla budistas e, por ventura alguns católicos?
    Fiquei curiosa.
    Obrigada mais uma vez pela beleza contemplativa do Oriente!
    Beijinhos!
    Ana :)

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  6. Somos dois, Blue...

    "Gone are the living, but the dead remain,
    And not neglected; for a hand unseen,
    Scattering its bounty like a summer rain,
    Still keeps their graves and their remembrance green."

    (Do Elogio Fúnebre de H. W. Longfellow)

    Ainda há um Silêncio de Oiro.

    Bjx. ✿✿✿



    ✣✱✺

    Sinceramente, Ana, não me recordo de ter visto, neste ou noutro 'reien', uma placa funerária que assinalasse a presença de um outrora crente de uma outra confissão religiosa que não as confissões autóctones (Budismo/Shintō).
    Presumo, sobretudo pelo que já pude observar noutros terreiros consagrados, como no caso do Shofuku-Ji (o 1º Templo Zen do Japão) aqui próximo de minha casa, entre outros O'Tera (Templos Budistas), e também pela observação de alguns cemitérios cristãos, em particular na região de Nagasaki — onde o Cristianismo e em particular o Catolicismo Romano enquanto parte do legado Português no Japão, ainda detêm uma presença considerável —, depreendo que há uma cisão clara entre solos consagrados aos crentes de diferentes confissões, mas não sei, por ora, explicar melhor os termos desta questão.
    Relativamente à destrinça entre seguidores do Budismo, nas suas múltiplas 'seitas' ou 'facções' [宗 - 'Shū'], ou do Shintō, essa distinção no Japão não é clara, antes, muito pelo contrário, a larga maioria das pessoas cultiva, de um modo ou de outro, uma ligação, ainda que ténue, a ambos os credos, sendo a relação simbiótica entre Budismo e Shintō, no Japão, um caso muito raro de comunhão quase perfeita por duas religiões distintas de um só espaço socio-cultural-nacional.
    Muito sucintamente, via de regra, a grande maioria dos Japoneses, caso pretendam uma cerimónia religiosa para um determinado efeito, escolhem um rito xintoísta ou budista consoante a situação.
    Os exemplos típicos são os casamentos — que, por regra, seguem, no caso das bodas tradicionais, o costume e os ritos do Shintō (aí na coluna da direita pode ver uma fotografia tirada aquando de um casamento tradicional celebrado em Meiji-Jingu, Tóquio, em Novembro de 2008, com cerimónia xintoísta — o noivos desfilam, com o sacerdote na retaguarda que lhes cobre as cabeças com um 'kasa' [guarda-sol] vermelho) — e no caso dos funerais ou outras cerimónias em memória dos que partem, seguem estes, via de regra, as tradições das várias seitas Budistas, pelo que a larga maioria destas 'hakaishi' nos 'reien', seguem também uma tradição derivada do Budismo nos seus mais diversos entendimentos (Zen, Shingon, Nichiren, etc.). Mas estas regras não são estanques, e haverá muitas excepções.
    Futuramente, e assim surja uma oportunidade nesse sentido, espero poder desenvolver melhor este tema, aqui.

    Obrigadíssimo pelo interesse e pela companhia,
    Beijinho,

    LFA/NBJ

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