domingo, 17 de abril de 2011

A Pátria é o lugar onde o Coração sempre esteve.



日々旅にして旅を栖とす。

"Cada dia é uma viagem,
E uma viagem, sempre, de regresso a casa."

Matsuo Bashō  (松尾芭蕉, circa 1690)




Donald Keene na companhia de grandes amigos: Mishima Yukio e o actor Akutagawa Hiroshi,
Tokyo-To, 1962


          Prima entre as notícias que fazem as manchetes dos serviços noticiosos por cá, este fim-de-semana: Donald Keene, emérito Professor de Literatura Japonesa, tradutor de renome e dedicado Nipologo, de 88 anos de idade (n. 6.6.1922 em New York, E.U.A.), autor de uma das mais vastas e extraordinárias obras no domínio do estudo e divulgação internacional das Letras e Cultura de Yamato, irá, em breve, fixar residência permanente no Japão e adoptar, ainda este ano, a cidadania Nipónica, mediante processo de naturalização já formalizado.


   O rumor de que Keene considerava, desde há algum tempo, adoptar a cidadania/nacionalidade Japonesa, em detrimento da cidadania Norte-Americana — uma vez que a Lei Nipónica não admite a possibilidade de acumulação de dupla nacionalidade —, circulava já, desde Janeiro, em certos círculos académicos e políticos no Japão. Consta, porém, que foi com a ocorrência do Grande Cataclismo de Tōhoku de 11 de Março passado, que o prestigiado académico formulou a sua decisão final de estreitar o laço de uma opção identitária mais profunda e que o ligará mais intimamente e para o resto dos seus dias ao país que ao longo de quase toda a sua vida carregou no fundo do peito e pelo esforço do seu infatigável trabalho. Keene criticou recentemente aqueles que no próprio Japão manifestaram, de um modo ou de outro, sinais de falta de fé no futuro do seu país e na sequência do 11.03, e afirmou ser este o momento de cada um dar o máximo de si ao País ao Sol Nascente.






Donald Keene fotografado, em 1953, junto ao túmulo do 
Poeta Matsuō Bashō [松尾芭蕉 — 1644-1694], cuja exten-
sa obra mereceu alguns dos seus mais afamados e importan-
tes estudos literários.
       O Professor Keene é conhecido no Ocidente, sobretudo pelas inúmeras obras literárias de destacados autores Japoneses que traduziu e cuja edição promoveu, em primeiro lugar, nos E.U.A. de seu nascimento e demais mundo anglófono, mas também pela profícua ligação e amizade que logrou cultivar com alguns dos maiores homens de letras do século XX nipónico, entre os quais Kawabata Yasunari [川端康成], o primeiro escritor japonês laureado com o Prémio Nobel da Literatura (1968),  Mishima Yukio [三島由紀夫], discípulo dilecto do primeiro, e Abe Kōbō [安部公房], o último dos grandes romancistas dessa ínclita 1ª Geração de Shōwa —  a brava linhagem dos nascidos no início da regência do Ten'Ō Hirohito (meados da década de 20) e figuras-de-proa da literatura do  imediato Pós-Guerra —, e cujas obras, a par de tantas outras produzidas por incontáveis gerações precedentes de briosas penas do Japão, Keene assumiu, como uma responsabilidade pessoal,  levar Mundo fora. 


       Foi aos 16 anos que Donald Keene ingressou na Universidade de Columbia com o intuito de vir a ser um Orientalista especializado no domínio do Mandarim e demais idiomas dess'outro Império do Meio, a Grande China. 
      Seria, porém, e por efeito de um estranho golpe do Destino, que Keene haveria de se envolver súbita e profundamente com esse, à época, bem mais inacessível e obscuro Nihon-Go [日本語]: com o eclodir da Guerra em 1941, na sequência do ataque a Pearl Harbour, em Dezembro desse ano, Keene vem a ser recrutado pela Marinha do seu país onde passa a servir como oficial de transmissões e inteligência, integrado numa unidade especializada em operações de intercepção e descodificação de comunicações trocadas entre as forças  do inimigo.
       Durante a Guerra e na sequência do seu desfecho com a derrota do Japão em '45, Keene serviria ainda como tradutor e intérprete das forças armadas do seu país durante algum tempo e até à sua desmobilização, altura em que regressaria à actividade académica para a esta se entregar de corpo e alma, após a graduação com distinção em Columbia, em 1947, iniciando então uma prodigiosa carreira que o levaria numa incansável jornada pelas décadas fora por Harvard, Cambridge, Kyoto, Waseda, Berkeley e de regresso à sua Alma Mater, Columbia onde leccionou Língua e Literatura Japonesa por mais de cinquenta anos, com tempo ainda para traduzir e publicar dezenas de obras de autores Japoneses de várias épocas e estilos e redigir tantos outros aclamados tomos dedicados à Cultura e Literatura do Japão, com destaque para a sua História da Literatura Japonesa condensada em quatro volumes e uma das mais esmeradas e apreciadas biografias do Ten'Ō Meiji, publicada em 2002

        Keene viria, entretanto, e em 1986, a estabelecer a sua própria fundação e centro de estudos para a  Cultura Japonesa, e viria, a 3 de Novembro de 2008, Dia da Cultura Nacional [文化の日 — Bunka No Hi] a ser reconhecido pelo Governo do Japão e a receber das mãos de Sua Majestade, o Ten'Ō  Akihito, a Ordem da Cultura, distinção honorífica instituída em 1937 e reservada tão-só aos mais destacados beneméritos por serviço em prol da Cultura Nacional do Japão, tendo sido o primeiro estrangeiro a receber tão excepcional distinção.









         O passo agora dado pelo Professor Keene, ao formalizar o seu pedido de cidadania Nipónica, abdicando da nacionalidade Norte-Americana que detém ainda e por direito de nascença, foi, este fim-de-semana, entusiasticamente saudado pela opinião pública Japonesa e visto como um acto de grande coragem e respeito. 

         Deus o conserve entre nós por muitos mais e bons anos, Professor Keene. 

             乾杯! / Kampai!



❖❖❖  


2 comentários:

  1. Sendo ele americano percebo o desprendimento face à nacionalidade. No país da Coca-Cola toda a gente é tudo e simultaneamente nada.

    Gosto muito do título deste texto, "A Pátria é o lugar onde o Coração sempre esteve". É bonito e profundo. Um abraço ao Oriente.

    ResponderEliminar
  2. Meu Bom JA:

    Creio, ou melhor, interpreto este gesto 'drástico' da parte de Keene como se tratando de um puro acto de Amor.

    A América também tem a sua Magia e um tão só seu tremendo encanto, natural e humano.
    Muitos de nós é que insistem em não o (querer) ver, o que é pena.
    A América pelas mais variadas e erradas razões continua a ser um moinho-feito-gigante para todo o tipo de 'Quixotes' que por aí cavalgam contra tudo e todos.
    E o tanto que ajudou e hoje, uma vez mais, está a ajudar este país a reerguer-se, como mais nenhum outro lhe ofereceu e oferece tanto de si.
    Não o esqueçamos.


    Grande Abraço, feliz de te ver por cá!

    L./NBJ

    ResponderEliminar