Ora então cá vai.
Sortie por um certo Japão telúrico, tão distante e tão distinto dess'outro a que todos nos acostumámos a identificar como cenário de eleição, o tal das megalópoles de Tokyo-To e Osaka, cintilando a neon e luzes vermelhas de sinalização do tráfego aéreo no topo de cada guindaste e arranha-céus, desafiando o negrume da noite cerrada...
Rumo a Takachiho [高千穂], Miyazaki [宮崎], prefeitura do Sudeste de Kyushu, a caminho de Ama-No-Iwa'To Jinja[天の岩戸神社], lugar mais-que-sacro-santo na mundividência Shintoista, de Fukuoka, Nordeste da «Ilha dos Nove Estados» [九州], a viagem faz-se em pouco mais de três horas por estrada. A importância de Ama-No-Iwa'To Jinja para o Shintoo [神道] releva do testemunho que este lugar guarda de alguns dos mitos fundacionais do Japão e da sua religião animista autóctone.
Sucintamente:
Segundo o Kojiki [古事記], essa remota «Crónica Das Coisas Antigas», tendo, Susanoo-No-Kami [須佐之男の神], Deus da Tempestade — irmão de Amaterasu [天照] e Tsukiyomi-No-Mikoto [月讀], Divindades do Sol e da Lua, respectivamente —, sido tomado de uma súbita fúria, destruira os arrozais e regadios confiados a sua irmã Amaterasu, causando grande transtorno a esta, que em jeito de protesto, escolheu refugiar-se no interior dessa caverna sita no desfiladeiro identificado pelo Shintoo, como tratando-se precisamente dessa insondável Ama-No-Iwa'to (天の岩戸, literalmete "A Porta-Do-Rochedo-Do-Céu"), sita em Takachiho, Miyazaki, lugar da nossa peregrinação deste dia.
O lugar de Ama-No-Iwa'to Jinja e o venerando desfiladeiro que oculta a misteriosa caverna que serviu de exílio a Amaterasu, durante o seu amuo com o tempestuoso irmão Susanoo, reveste-se de uma solenidade e sacralidade tais, que aos penitentes peregrinos que a esta Meca do Shintoo acorrem, só lhes é dado apreciar o local no resguardo da distância que medeia entre o desfiladeiro e a caverna propriamente dita e um amplo terraço, para o efeito erigido, no Jinja (Santuário) que a celebra e conserva ao abrigo de olhares impúdicos e da profanidade.
E desta pequena porta em diante, não há retratos para ninguém. Régle d'Ór ditada por quem tem por incumbência a nobilíssima guarda de tão sagrada mística...
Verdade seja dita, a concepção arquitectónico-paisagística do lugar acha-se de tal modo pensada e talhada com tal minúcia, que é mesmo virtualmente impossível contemplar o desfiladeiro de Ama-No-Iwa'to, sem passar pelo referido terraço que se estende além da proibitiva porta.
Mas, não quedeis de tomar esta (ainda-que-breve-)crónica por concluída.
Mais adiante, e para os mais aventurosos — e ainda no precinto de Ama-No-Iwa'to — outro lugar de assombro vos aguarda...
Ide, pois, por bom caminho...
...E eis-nos, enfim, diante da não-menos-sagrada Ama-No-Yasu'Kawa'hara [天の安河原]...
Ainda conforme aprendemos da leitura do Kojiki, foi nest'outra caverna de Ama-No-Yasu'Kawa'hara — o "Ribeiro da Celestial Tranquilidade" — que, movidos pela recusa de Amaterasu em pôr termo à clausura a que se confinara na gruta do desfiladeiro, os demais Kami [神] se reuniram em congresso, por modo a decidir do que fazer para trazer a Deusa d'Aurora de volta às suas hostes e resgatar a Luz da Madrugada que, com a despeitosa Senhora d'Alvorada, se adiara 'sine die'. De caminho, e ao longo de inúmeras gerações, milhares de pequenas colunas de seixos depostas ao longo das margens do ribeiro de Ama-No-Yasu'Kawa'hara, assim como no interior da capelar caverna, pelos peregrinos e representando as suas preces, pavimentam e prestam testemunho da reverência consagrada a esta via sacra do Shintoo.
Uma visão arrebatadora que o horizonte não pode conter...
...E sem que haja necessidade de elaborar por aí além nas conclusões, hoje também eu à minha obscura caverna retomo, não sem antes me despedir com um encarecido Domo Arigato Gozaimasu pela atenção dispensada...
Até breve.
(NOTA FINAL: à excepção da primeira imagem, no topo do artigo ⇑, essa mui singelamente furtada algures da WorldWideWeb via Google, e só porque me pareceu melhor que todas as demais que trouxe desta excursão e aqui deixo ao vosso bom dispôr, todas as demais são obra e graça do vosso Nan Ban, sem direitos reservados, pelo que, caso haja, entre vós, quem queira mandar um postal ilustrado do Japão a um ente querido, pois que não se acanhe e faça os Seus felizes... )